quinta-feira, 29 de julho de 2004

O regresso dos incêndios florestais

Desde sempre que os incêndios florestais fizeram parte do quotidiano noticioso de Verão, em Portugal.
Ao longo de muitas décadas fomo-nos habituando, como portugueses, a ouvir notícias sobre florestas a arder, de paisagens naturais devastadas pelas chamas, de danos irreparáveis no ecossistema e até de bombeiros que deram as suas vidas no combate a este flagelo...
Até que no Verão passado, esse cenário quase rotineiro mudou para pior, visto aí se terem registado os piores incêndios de que há memória no país: ao mesmo tempo que ardiam milhares de hectares de mato, cuja reposição durará décadas, também foram destruídas muitas casas de habitação, colheitas agrícolas e gado. Foi igualmente registada a morte de vários civis.
Nada que não se tivesse verificado em anos anteriores, é um facto, mas com proporções tais que os incêndios do Verão de 2003 se tornaram uma catástrofe nacional. Todos nos lembramos da reserva ecológica da Tapada de Mafra reduzida a cinzas, dos Concelhos de Vila de Rei e de Mação com 80 a 90 por cento da sua superfície total literalmente queimada, entre muitos outros tristes exemplos...
Logo na altura se tentaram obter inúmeras justificações para a desgraça, tais como causas do foro natural, como as temperaturas atingirem valores superiores a 40 graus durante o Verão, trovoadas secas que provocaram os focos de incêndio; causas do ponto de vista material, tais como a falta de meios técnicos para um mais eficaz combate às chamas; causas do ponto de vista burocrático, tais como a falta coordenação entre organismos como os Bombeiros, a protecção civil, Câmaras Municipais e Governos Civis...
Lamentavelmente assistimos também a uma série de organismos a acusarem-se mutuamente pela tragédia sucedida.
Pessoalmente, creio que deveriam ser muito melhor investigadas as situações de fogo posto. Talvez essas investigações possam vir a ser esclarecedoras.
Os nossos políticos também se apressaram a fazer os seus debates acerca das causas de tamanha tragédia, considerando que era necessária uma melhor prevenção dos fogos e de meios mais eficazes para os combater, passando por uma restruturação da coordenação entre os diversos organismos envolvidos nesta complexa matéria.
Prometeram mais aviões assim como outros meios técnicos de auxilio ao combate ao fogo, prometeram a limpeza das matas, prometeram uma vigilância mais eficaz dos locais mais propensos a incêndios. Criou-se até um organismo de prevenção e combate aos fogos florestais cujas competências ainda nem sequer estão reguladas por lei!
Entretanto, chegou o Verão de 2004 e o que temos? Monchique, Arrábida, Peneda-Gerês (que dor no coração!), Almodóvar, Loulé, entre outros incêndios graves.
É de lembrar que em Julho deste ano, segundo dados da Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF), já arderam 32700 hectares, ainda não estando contabilizados muitos dos incêndios atrás referidos.
Posto isto, só posso chegar à triste conclusão que nada mudou em relação a 2003, isto é, que nada se fez para evitar que a tragédia se repetisse. Os meios de prevenção e de combate são praticamente os mesmos, assim como os governantes. As poucas medidas que se tomaram estão a ter um efeito quase nulo e a prova é que o pesadelo aí está de novo, na sua versão “2004”!
Temo que a procissão ainda vá no adro. Desejo estar enganado.
Dá a sensação que só quando não existir mais floresta para arder é que o país estará dotado dos meios de que necessita para acabar de vez com este flagelo de Verão, que ameaça reduzir a cinzas um património que é de todos, tendo por isso todos os cidadãos o dever de zelar pela sua conservação. Este texto é a minha pequena contribuição.

segunda-feira, 12 de julho de 2004

A agonia do Regime Democrático Português

Na sequência da sua nomeação para Presidente da Comissão Europeia e após uma esclarecedora derrota nas eleições para o Parlamento Europeu, o Primeiro-Ministro, Durão Barroso, apresentou a demissão do seu cargo, cuja aceitação pela parte do Presidente da República implicou a demissão do XV Governo Constitucional, nos termos do artigo 195, nº1, b) da Constituição da República Portuguesa.
Estava aberta a crise política. A saída da dita crise estava inteiramente nas mãos do Presidente da República, que tinha duas formas legais, plenamente conformes com a Constituição, de a resolver: ou dissolveria a Assembleia da República com consequente marcação de Eleições Legislativas antecipadas, ou nomearia o líder do Partido mais votado nas distantes eleições legislativas de 2002 para o cargo de Primeiro-Ministro.
Jorge Sampaio decidiu-se pela segunda hipótese, o que merece uma reflexão séria e profunda.
Foi nomeando Primeiro-Ministro Santana Lopes, o novo líder do PSD, havendo que recordar que algumas vozes dentro do próprio PSD puseram em causa a sua nomeação para a liderança do partido sem a realização de um Congresso partidário. Posto isto, só podemos concluir que foi nomeado Primeiro-Ministro alguém cuja legitimidade é questionada dentro do seu próprio partido. Se assim é, muito mais se poderá questionar a sua nomeação para a chefia do Governo, cuja legitimidade democrática deixa muito a desejar, já que não foi sufragado pelos portugueses. Por outro lado, como é possível este novo governo garantir estabilidade, já que não possuí legitimidade eleitoral, o que provoca forçosamente que seja um Governo fraco, sem garantia de que tenha capacidade para governar até ao fim da legislatura, pois é incapaz de provar que governa por vontade dos cidadãos, o que só poderá ser feito através da convocação de eleições legislativas antecipadas, de outro modo estaremos simplesmente a ignorar a vontade dos portugueses. Se PSD e CDS/PP não tivessem medo de eleições, defenderiam a antecipação das mesmas, pois seria a melhor maneira de legitimar Santana Lopes e o seu Governo.
Por outro lado, nunca poderemos deixar de ter em mente que o responsável desta crise política foi o Primeiro-Ministro cessante, Durão Barroso que, não obstante as promessas de que governaria os quatro anos, abandonou o executivo pela presidência da Comissão Europeia, ao contrário do seu homólogo do Luxemburgo, que preferiu manter a palavra dada ao eleitorado.
Disse-se no momento que Portugal só teria a ganhar com a nomeação de um português para tão honroso cargo. Parece que ficou esquecido que, segundo os tratados comunitários, os membros da Comissão Europeia defendem os interesses da União Europeia e não os do Estado do qual são oriundos, também ninguém se lembrou de referir que Durão Barroso foi uma escolha quase de recurso, após tantas candidaturas não terem obtido consenso dos parceiros da União.
A saída de Durão Barroso e a nomeação de Santana Lopes sem eleições antecipadas, vai provocar com que os actos do Governo cessante fiquem impunes aos olhos do eleitorado, não podendo este castigar medidas tais como o Código do Trabalho, os Hospitais SA, o aumento brutal das propinas, o fundamentalismo pelo défice que tanto prejudicou o crescimento económico, o apoio dado à agressão do Iraque, a “fúria” privatizadora, entre outras tantas matérias. Isto é, a coligação de direita, com a ajuda do Presidente da República, esquiva-se a ter de responder por tudo isto perante os portugueses. Quanto a Santana Lopes, também se livra de ter que responder perante os lisboetas acerca de questões como o Túnel do Marquês, o Parque Mayer, ou do tão falado Casino...
Gostaria ainda de referir que os grandes empresários sempre se manifestaram contra a realização de eleições antecipadas. Com esta tomada de posição, demonstraram bem quem é que os Governos PSD/CDS-PP mais beneficiam...
Para terminar, umas pequenas reflexões quanto à decisão presidencial propriamente dita. Esta demonstrou, na prática, o fim do regime semi-presidencial em que teoricamente nos encontrávamos, provando definitivamente que o Presidente da República não passa de uma mera figura simbólica do regime, limitando-se a confirmar o que os partidos da maioria decidem, numa atitude de passividade quase total.
É forçoso repensar o regime político português, nomeadamente no papel da figura do Presidente da República nos destinos do país, sob pena de descrédito do próprio regime, com consequências graves e imprevisíveis.
Jorge Sampaio, com a decisão que tomou, tornou-se também responsável pelos futuros actos do próximo Governo.
Esperemos que assuma um papel bastante mais activo do que tem assumido, devido ser essa, supostamente, a sua obrigação.
Por último, creio que a decisão presidencial abateu psicologicamente ainda mais os portugueses, pois fez com que depois do sonho do Euro 2004 e da esperança de uma mudança política com a demissão de Durão Barroso, estes voltassem a acordar para a triste e cada vez mais dura realidade do país...