sexta-feira, 6 de outubro de 2006

“Socialista” ou talvez não…

Em Fevereiro de 2005 e após dois governos de direita liberal radical, o Partido “Socialista”, liderado por José Sócrates, ganha as eleições legislativas com maioria absoluta, a primeira da sua história.
Não obstante as promessas e a postura de José Sócrates na campanha eleitoral já indicarem uma continuação das políticas neo-liberais dos governos anteriores, o eleitorado português deu-lhe a maioria absoluta contando com isso poder inverter a tendência de degradação das condições de vida com que se tinha deparado nos últimos anos, nomeadamente devido à acção devastadora dos executivos liderados por Durão Barroso e Santana Lopes.
A última vez que o PS fora governo, com António Guterres, não terá seguido uma política económica propriamente de “esquerda”, com a continuação das privatizações, entre outras políticas que foram eufemisticamente designadas de “terceira-via”, designação inspirada no seu congénere “socialista” britânico, Tony Blair.
Não obstante, alguns progressos em matéria de Segurança Social e de Leis Laborais foram feitos. Essas conquistas dos trabalhadores rapidamente foram perdidas nos anos seguintes, com a Revisão da Lei de Bases da Segurança Social e com a entrada em vigor do “Código do Trabalho”, ambas da responsabilidade do então Ministro do Trabalho e da Segurança Social, Bagão Félix.
Previa-se, por isso, o pior quando o PS regressasse ao Governo, não sendo, portanto, muitas as esperanças em relação a esta maioria do Partido “Socialista”, cujo Governo muito em breve passaria a seguir opções políticas que o colocariam na senda de um verdadeiro Governo de Centro-Direita, tão rendido ao liberalismo selvagem de mercado com o seu antecessor, os executivos PSD-CDS/PP…
Logo começou uma verdadeira obsessão pelo défice de Estado, fazendo da sua diminuição um verdadeiro desígnio nacional, não importando a recessão económica em que o país se encontrava mergulhado. Em nome desse mesmo défice pediu ainda mais sacrifícios aos mesmos de sempre, cometendo assim as maiores atrocidades contra o bem-estar e prosperidade das populações, cujos interesses deveria ser o principal defensor.
Uma das mais gravosas medidas foi o encerramento de escolas, de maternidades e de Serviços de Atendimento Permanente (SAP) em muitas localidades do interior do país, contribuindo assim ainda mais para a desertificação deste e para um aumento das assimetrias entre as diversas regiões do país. Como é possível desenvolver economicamente uma região a cuja população lhe tiram a escola, a maternidade e o Serviço de Atendimento Permanente? Como é possível fixar populações em regiões onde são fechadas todas estas infra-estruturas básicas?
Chegou-se à situação ridícula e vergonhosa de se recorrer a uma maternidade em Badajoz, fora do território nacional, para que fossem prestados cuidados de saúde básicos, que um país da União Europeia deveria ter capacidade e obrigação de os garantir em qualquer parte do seu território. É uma situação digna de um vil país de Terceiro-Mundo.
Por falar em saúde, ou falta dela, temos de nos lembrar do projecto de encerramento de catorze das já tão sobrecarregadas urgências hospitalares do país, onde o tempo de espera pode ir até às dezenas de horas, prevendo-se uma ainda maior desumanidade nestes serviços caso esse encerramento se verifique
Continuando a falar de falta de saúde, é de lembrar a ideia do Ministro Correia de Campos de alargar as Taxas Moderadoras a situações de internamento hospitalar e de algumas cirurgias. Segundo o Ministro, para evitar abusos. Ficamos a saber que uma pessoa é internada no Hospital ou é sujeita a uma intervenção cirúrgica porque, por e simplesmente, lhe apetece! Aconselharia o Sr.Ministro a ver a realidade dos nossos hospitais e dos nossos doentes, da qual pelos vistos não conhece absolutamente nada. Ao que tudo indica, só conhece a realidade dos números e das contas.
E o que dizer da revisão do estatuto da carreira docente? Como é possível ter-se uma educação de qualidade quando se prima pela insegurança e pela precariedade do posto de trabalho de um professor, em vez de se investir numa educação de qualidade, pois é ela que irá garantir ao país, no longo prazo, a qualificação da mão-de-obra por sinal tão preciosa à competitividade num mercado globalizado, tal como dizem os governantes nos seus discursos? A não ser que a queiram eternamente desqualificada e, por conseguinte, barata e precária…
Já agora, também podemos lembrar a prevista “reforma” da Segurança Social, cuja cobiça pelo grande capital financeiro está a levá-la para a privatização, deixando de garantir pensões de reforma a todos aqueles que após uma vida inteira de trabalho e de exploração merecem uma velhice minimamente descansada e digna.
Por falar em Segurança Social e em pensões, o que dizer das reformas aos setenta anos? Fazer com que um idoso de setenta anos se arraste no trabalho é uma das mais cruéis desumanidades que pode ser feita a um ser humano, já para não falar de que não é um idoso que irá trazer a tal competitividade à empresa… o mais macabro desta questão é o facto de que muitos dos que defendem a entrada em vigor desta lei, têm chorudas reformas garantidas aos cinquenta anos ou até menos!
A conclusão a que se chega, depois de enumerar as situações acima referidas, é que o Governo dito “socialista” está deliberadamente a abster-se de três daquelas que devem ser as mais importantes Funções do Estado, isto é, o executivo está a descurar três das mais elementares obrigações que um Estado moderno, fraterno, justo e igualitário tem para com os seus cidadãos, que são, no fundo, a sua razão de ser e existir.
A saber: a Educação, a Saúde e a Segurança Social estão a ser deliberadamente ameaçadas!
O descurar destas três funções é uma tendência que se vem a verificar à muito, mas cujos contornos assumem agora proporções cada vez mais preocupantes, pondo em causa o bem-estar, que é a fim último da existência do Estado como entidade.
O mais assustador é que esta tendência de negligenciar estas Funções do Estado não é feita devido a um mero “corte de despesas” ou devido a um mero descuido de quem governa. A negligência destas Funções é feita devido ao pressuposto ideológico ultraliberal de que o Estado não é necessário ao desenvolvimento e ao bem-estar do ser humano, que pelo contrário, é um dos seus maiores entraves. Nada, obviamente, mais errado. Imaginemos um mundo sem estados, consequentemente sem leis… imperariam os mais fortes, as relações humanas seriam estabelecidas com base na força, no poder e não com base no respeito e tolerância. Nem sequer será preciso referir que isto seria um mundo ideal para quem mais tem, quem mais pode e quem mais manda: os detentores do capital, do dinheiro!
A tendência dos que mais têm terem cada vez mais não se verifica ao acaso, mas sim devido à desregulação das relações sociais, quer no âmbito das leis laborais, quer no âmbito do comércio mundial e consequente circulação do capital financeiro, por vezes com a conivência e até com a colaboração de todos esses falsos socialistas, que só se designam assim para caçar votos ao ingénuo eleitor que de boa-fé deposita o seu voto na urna.
Cabe aos cidadãos tomarem consciência disto mesmo e impedirem-no, por todos os meios à sua disposição, no escasso tempo que lhes resta para evitar uma cada vez mais evidente “selva humana” em que os mais fortes sobreviverão à custa dos mais fracos.
Não quero acreditar que a Humanidade irá retroceder da forma que se me depara neste momento, não obstante haverem países de África e da América Latina em que essa realidade se tornou evidente.
Acima de tudo, não quero isso para o meu país!
Para isso, teremos, como cidadãos, de rejeitar liminarmente a “ideologia oficial” do ultraliberalismo e substituí-la por uma alternativa que garanta o bem-estar e a prosperidade colectivas, e não só de alguns à custa de todos os outros.