terça-feira, 1 de novembro de 2005

O "Salvador da Pátria"

Desde há muito que a mentalidade lusitana, mas não só, vive dominada pelo culto do messianismo, isto é, pela esperança de que alguém vindo sabe-se lá de onde, um dia vir a tomar o poder político e resolver todos os problemas comuns que nos afligem.
Já no século XVI, um obscuro sapateiro, de nome Bandarra, escreveu acerca de um messias, vindo de uma Ilha encoberta, numa manhã de nevoeiro, que nos iria fazer felizes para sempre…
A nossa história comum, desde então, vive repleta de “Salvadores da Pátria”, quer eles venham de uma ilha encoberta, quer venham de Santa Comba Dão, ou mais recentemente, de Boliqueime…
Quando os partidos do sistema apresentam sintomas de estarem politicamente esgotados, mostrando-se incapazes de resolver os problemas colectivos que nos afligem, o povo português, em vez de tomar consciência acerca do que está mal e do que é preciso mudar, na sua característica intrínseca de deixar o que há para fazer para “vizinho do lado”, deposita os destinos do país no messias que tudo irá resolver…
A História está cheia de tristes exemplos do fenómeno atrás referido, não só em Portugal, como também noutros países.
Exemplo paradigmático do que atrás se disse, foi o Portugal do final da I República, mergulhado no caos económico e na instabilidade política e social. O Golpe de Estado de 28 de Maio de 1926, por si só, não resolveu o problema e teve de vir de Coimbra um obscuro Professor de Finanças para o resolver à sua maneira, acabando com a Democracia e com as liberdades essenciais inerentes a um país civilizado…
Por esses anos, não foi só em Portugal que este curioso fenómeno se deu. A Itália e a Alemanha, entre outros, também encontraram os seus “salvadores da pátria”, que lhes acabaram com os direitos, liberdades e garantias previstas constitucionalmente…
O fenómeno do messianismo é um fenómeno perigoso, pois os auto proclamados “messias” têm a tentação de se considerarem acima de tudo e de todos e de exigir o poder absoluto. Estas têm sido características comuns a todos eles.
No Portugal de 2005, com PS e PSD aparentemente sem soluções para enfrentar os males e os desafios que se colocam ao país, governando à vez e de um modo semelhante, e no consequente contexto de descrença generalizada na classe política, o fenómeno do messianismo ganhou um novo fôlego nas Eleições Presidenciais que se avizinham, nomeadamente quando existem candidatos que fazem questão em dar a imagem de que estão acima de tudo e de que possuem o exclusivo das soluções de que o país necessita.
O que o país não pode esquecer é que o Governo já foi chefiado por um dos candidatos, durante dez anos, oito dos quais em maioria absoluta, e que muitos dos males que afligem actualmente Portugal são uma consequência directa das políticas inauguradas durante esse período: privatizações e desmantelamento de empresas estratégicas, flexibilização das leis laborais, combate à influência das organizações sindicais, obsessão pelas contas públicas e pelo défice, entre muitas outras políticas neo-liberais…
As soluções propostas agora em nada diferem do que tem sido executado ao longo dos anos.
Os Governos que se lhe seguiram limitaram-se a imitar o modelo estabelecido, estando os resultados do conjunto dessas políticas à vista de todos…
Gostaria ainda de referir que tudo o que foi prometido aos portugueses para se ultrapassar a crise, no actual quadro Constitucional, é da competência do Governo e não do Presidente da República. Assim sendo, das duas uma: ou está a ser feita a mais pura demagogia eleitoralista com o único objectivo de caçar votos, ou então, depois de eleição, serão extravasadas por completo as competências do Presidente da República, pondo em risco o próprio sistema democrático em que ainda vivemos, tal como já aconteceu no passado, como foi anteriormente referido.
Não poderemos também esquecer as tendências para o autoritarismo manifestadas enquanto Primeiro-Ministro, inclusivamente quando foi utilizada a expressão “forças de bloqueio”.
Todos nós sabemos qual a Forma de Governo de um país que não tenha “forças de bloqueio”...
Para terminar, gostaria de chamar a atenção para o seguinte: numa situação de crise e de descrença, tal como a que chegou o Estado Português, as soluções não passam por um só homem, mas sim por todos nós, pois serão os cidadãos e os políticos, em conjunto e de acordo com o previsto na Constituição, que terão de encontrar a resolução dos problemas e a resposta para os desafios actuais.
Pela minha parte, proporia uma profunda revisão de políticas e de objectivos, a começar por uma reflexão acerca das políticas económicas encetadas nos últimos 20 anos e nas suas consequências no Portugal económico e social de hoje…

terça-feira, 24 de maio de 2005

Défice / Sacrifícios

A recente divulgação de que o défice em 2005 poderá atingir os 6,83% do P.I.B. merece uma séria reflexão acerca das políticas aplicadas em Portugal para resolver o problema, assim como acerca das consequências da aplicação dessas políticas.
Em 1998 foi assinado por todos os países que aderiram à terceira fase da União Económica e Monetária um pacto que foi chamado de “Estabilidade e Crescimento”, que impunha rígidas regras aos Estados que em breve iriam aderir a uma moeda única, o Euro.
Uma dessas regras tinha que ver com o défice anual de cada Estado-Membro, que não poderia ultrapassar 3% do Produto Interno Bruto, sob pena de pesadas sanções económicas.
Portugal, logo em 2001, foi o primeiro Estado-Membro a violar esta regra, tendo o défice ultrapassado os 3%.
Guterres partiu da maneira que todos sabem e na sequência das Eleições Legislativas de 2002 foi nomeado um Governo constituído pelo PSD e pelo CDS/PP, presidido pelo actual Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.
Numa das suas primeiras intervenções na Assembleia da República, Durão Barroso frisou que o país estava “de tanga” em termos orçamentais e que seria necessária uma política de grande austeridade para tirar o país da grave crise em que alegadamente se encontrava. Logo em 2002 se pediram sacrifícios aos portugueses, tendo sido tomadas medidas que afectaram seriamente as condições de vida das classes mais desfavorecidas: contenção salarial, aumento do custo de vida, aumento dos impostos, redução drástica do investimento público, venda ao desbarato de património público, privatizações, entre outras. Tudo, obviamente, em nome do défice, que depressa se transformou na obsessão da então Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite.
Depressa toda política económica do país começou a girar em torno do défice. Sabiamente, alguém lembrou que existia vida para além do défice, tendo o Governo de então feito tábua rasa disso.
Para quem não se recorda, e nestas coisas é fácil esquecer, os governantes de então, ao imporem estas medidas, garantiram que a médio prazo a questão do défice seria ultrapassada e que depois dos sacrifícios viria a abundância, que a economia iria crescer a um ritmo forte e que todos beneficiaríamos com isso. Isto é, depois do Inferno, eram as portas do Paraíso que se abririam...
Após três anos, basta-nos olhar à nossa volta para verificarmos as consequências desastrosas dessas políticas: o desinvestimento público e a contenção salarial, por exemplo, lançaram o país para uma recessão técnica desde 2003, da qual, ao que tudo indica, ainda não existem sinais de recuperação. Temos uma riqueza cada vez pior distribuída, a desigualdade entre quem mais tem e quem menos tem é cada vez maior. São estas as consequências económicas e sociais da austeridade.
E em relação às contas públicas? Será que a austeridade orçamental e os sacrifícios impostos a alguns (nem todos) portugueses teve como consequência a resolução do problema do défice? Pelos vistos, de acordo com os números apresentados, a resposta é negativa: não só não resolveu a questão do défice como ainda a agravou para números assustadores.
Posto isto, só poderemos concluir que a não é a impor austeridade que se irão resolver os problemas do país. Nunca esquecer que o pacote de medidas levado a cabo a partir de 2002, ao contrário de ter trazido a abundância e o crescimento, só está a levar o país ainda mais para o abismo, tanto a nível económico como a nível orçamental e que é urgente apresentar outro tipo de medidas e de políticas de resolução dos problemas que não passem pela austeridade e pelo popularmente conhecido como “apertar do cinto”, que na prática, só irão empobrecer ainda mais quem menos tem e enriquecer ainda mais quem não é afectado por crises económicas.
É preciso afirmar abertamente que mais austeridade e mais contenção só irão trazer mais miséria e mais sofrimento ao cidadão comum, como têm trazido até agora, ao contrário da prometida e sempre adiada prosperidade.
É urgente que os portugueses tomem consciência disto mesmo e que não se deixem enganar como no passado recente.
É igualmente urgente que se tomem medidas de promoção do investimento, do emprego com direitos e do combate à fraude e à evasão fiscal, escandalosamente efectuada por quem mais tem. Só assim resolveremos o problema do défice e só assim caminharemos para uma mais justa distribuição da riqueza, acompanhada da tão desejada e merecida prosperidade económica de todos. Caso o Governo socialista liderado por José Sócrates anuncie medidas de contenção e de austeridade, estará a cometer os mesmos erros cometidos pelos governos PSD-CDS/PP, fazendo com que nada os distinga, sendo de lembrar que no passado dia 20 de Fevereiro os portugueses votaram para que algo mudasse, não para ficar tudo na mesma...