quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Os ossos do sátrapa




Neste dia da exumação do cadáver do ditador Francisco Franco, ao abrir a janela pela manhã, bem que me veio um fedor nauseabundo contaminador do ar, dos espíritos e das nações; o odor a prisão, a tortura, a sofrimento, a trevas e a morte.

Veio o vírus do Fascismo, cujo veneno corrói as liberdades e os povos, sendo que, por conseguinte, é urgente vacinar contra ele as consciências, sob pena de destruir tudo em seu redor.

Veio-me à lembrança o cheiro dos quinhentos mil mortos (estimativa por baixo) na Guerra Civil de Espanha, conflito cuja inteira responsabilidade se atribui a Franco, a Hitler, a Mussolini e a Salazar, que conspurcou o nome de Portugal, alinhando o país com o nazismo alemão e o fascismo italiano, ao ajudar a derrubar um governo republicano democraticamente eleito, para no seu lugar impor uma sangüinária ditadura católico-fascista.

Também me veio o cheiro e o grito dos trezentos e ciqüenta mil mortos da repressão franquista, vítimas do pelotão de fuzilamento ou do infame garrote, executados barbaramente e a frio, só pelo simples facto de pensarem de modo diferente e por lutarem contra a tirania do "caudillo", uma das mais hediondas do século XX.

Como se não bastasse o genocídio do seu próprio povo, por duas vezes o "generalíssimo" equacionou invadir militarmente Portugal, tanto em 1940 como em 1975, em nome da "unidad de España" que ainda hoje é imposta na Catalunha e que continua sendo defendida por muitos portugueses, na senda de Miguel de Vasconcelos.

A morte de Francisco Franco só se lamenta por ter acontecido tardiamente e na cama, rodeado de todos os cuidados, sem que nunca tivesse pago pelos seus crimes e sem que o seu veneno ideológico e político fosse erradicado da Península Ibérica e do Mundo, em nome da Democracia, da República e da liberdade dos povos.

Deveria Franco ter voado mais alto que Carrero Blanco, pois contra a opressão e o genocídio bárbaro, todas as formas de luta são válidas e legítimas, em nome de uma Ibéria republicana, democrática e de povos livres, não subjugados a Castela, à Igreja ou ao fascismo.

Que se reguem com ácido sulfúrico, tanto o cadáver como as ideias que preconiza, para que desapareçam para sempre!

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Ressaca Eleitoral




No rescaldo da noite eleitoral, é possível concluir que nenhum dos chamados grandes partidos cumpriu os objetivos a que se propôs.

O PS foi para as eleições sem assumir que queria governar com maioria absoluta, apesar de todos termos percebido que era esse o objetivo principal, algo que não atingiu.

As recordações de Sócrates, das suas atividades pouco claras e da sua austeridade, contribuíram para o eleitorado desconfiar ainda não se ter reconciliado totalmente com o PS.

Tudo indica que governará ao ziguezague, usando este ou aquele parceiro para aprovar esta ou aquela matéria.

O PSD sofreu a pior derrota da sua história, o que o levará a reconfigurar o seu discurso e até a sua ideologia, podendo resvalar para um populismo de direita fascizante e salazarenta, algo que pega no Portugal profundo, onde esse mesmo PSD tem a maioria do seu potencial eleitorado.

O BE não beneficiou com a “geringonça”. Apesar de ter consolidado a sua posição como terceira força política, mal conseguiu manter o número de deputados que já tinha, tendo baixado o seu número de votos, com destaque para a perca de um deputado em Lisboa.

Já em 2015 o PCP foi incapaz de traduzir em votos a austeridade do Governo de Direita, um sinal que a direcção do partido teimou em ignorar, preferindo vir agora dizer que “a culpa foi da geringonça”, escondendo o facto de que à medida que a geração de Abril desaparece fisicamente pela lei da vida, o PCP não está a ser capaz de renovar, nem o discurso nem o eleitorado. Ultrapassado pela História, é de temer o pior, o que não é bom para a Democracia em Portugal.

O CDS sempre padeceu do mal de não ter bases, o que torna o seu eleitorado demasiado volátil. Sem Paulo Portas, sem projeto, sem ideias, sem coerência e atirando demagogia para o ar ao sabor do vento; está condenado a deixar de ter razão de ser e a ver o seu espaço político ocupado, quer por PSD, quer pela extrema-direita.

As alterações climáticas, as extinções em massa e a ecologia ocupam um lugar cada vez mais importante e determinante na vida das pessoas. Bem ou mal, o PAN tenta focar-se em problemas que afectarão cada vez mais o nosso quotidiano, tendo tido eco no eleitorado.

É preocupante a chegada do Fascismo ao Parlamento. Que a mesma seja passageira e irrelevante, sob pena de degradação da nossa Democracia. Que seja votado ao desprezo que merece, mas ao mesmo tempo, ser tido em atenção, a fim de ser combatido por todos os meios.

Para terminar, existem duas conclusões a tirar destas eleições:

- Diz-nos a experiência passada que os governos em “ziguezague” estão condenados a não durar os quatro anos, seja porque a oposição sente ter condições para tomar ela própria o poder; seja porque o próprio Governo provoca eleições, para tentar a maioria absoluta. Desta vez, não será diferente.

- É possível que estejamos a assistir a uma reconfiguração do sistema político-partidário português, com o BE a tornar-se a principal força de Esquerda; com o PAN a assumir o papel de partido ecologista, tal como já acontece por essa Europa fora; com o PS a ser o partido do centro; com o PSD a ser o partido da Direita salazarenta; e com CHEGA e/ou IL a se tornarem na voz da extrema-direita. PCP e CDS estão, a médio prazo, condenados à irrelevância política.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Geringonça – Um balanço



Não sou apologista da teoria do “quanto pior, melhor”.

E o pior, teriam sido mais quatro anos de mandato daquele que foi o pior Governo da História democrática portuguesa, da responsabilidade de Passos Coelho e de Paulo Portas.

Imaginem como seria, se esses dois ainda fossem Governo… com a continuação da austeridade criminosa, é provável que tivessem provocado o colapso social do país, com os níveis de pobreza, de morte por falta de assistência médica ou de criminalidade a dispararem; e na sequência disso, uma grave recessão económica, ao invés do crescimento anémico dos últimos anos.

Por isso mesmo, será sempre preferível uma “geringonça”, do que a Direita neoliberal extremista.


Deste ponto de vista, PS, BE e PCP cumpriram o seu dever perante o país e as pessoas, desalojando Passos e Portas do Governo e mandando-os a ambos para bem longe.


Mas será que, após anos de austeridade brutal (2009-15), o nível de exigência dos cidadãos e dos eleitores desceu tão baixo, ao ponto de bastar a um Governo fingir não tomar novas medidas de austeridade e reverter minimamente outras, para parecer ser de Esquerda?


Ou seria exigível serem desfeitos, de uma vez por todas, os males cometidos entre 2009 (ainda com Sócrates) e 2015, algo que só tem acontecido, muito timidamente e por vezes, somente de um ponto de vista cosmético?


Atendendo aos resultados das Eleições de 2015, a “geringonça” foi a solução possível, mas para a mesma ser chamada de Esquerda, seria preciso ir muito mais além do estético ou do remendo, sendo forçoso ir até ao estrutural, onde se teima nada fazer.


Uma reversão nas leis laborais, que o PS teima em não aceitar, seria essencial, não só para repor um mínimo de justiça nas relações laborais, como também para uma maior eqüidade na distribuição da riqueza gerada.

É que, como sabemos, quanto mais “flexíveis” forem as leis laborais, maior a precariedade laboral, pois facilitam-se os despedimentos, e mais baixos serão os salários, fazendo com que os benefícios do crescimento económico só cheguen aos patrões e não aos trabalhadores – que serão sempre os primeiros a sofrer as conseqüências de uma recessão.

Outras áreas que continuam a sofrer com o contínuo desinvestimento são a educação, a saúde – onde o PS teima com a continuidade das PPP’s – e os transportes, onde o presente envenenado dos passes sociais mais baratos não se traduziu numa maior oferta de transportes públicos, antes pelo contrário.

Já para não falar nas Parcerias Público Privadas nas auto-estradas e nas pontes, muitas delas herdadas do Governo de Sócrates, que causam prejuízos de milhares de milhões ao Estado, fruto de contratos lesivos e danosos para o erário público.

Sabemos das apertadas regras orçamentais impostas pelo Reich de Bruxelas e de Berlim, que limitam a capacidade de ação de qualquer Governo em Lisboa, sendo também forçoso lutar contra as mesmas, não só nas instituições próprias, como também nas ruas, contra o domínio da Europa por meia-dúzia de multinacionais e de bancos alemães.

Em jeito de balanço, a solução governativa denominada “geringonça” foi positiva, pecando por não ter ido suficientemente longe nas medidas que tomou, não só de reversão dos crimes cometidos pelos governos entre 2009 e 2015, como também no atingir de novas conquistas sociais e novos investimentos em áreas como a saúde, a educação, os transportes e a própria segurança social.

Não será com uma maioria absoluta do PS que esses objetivos serão atingidos, antes pelo contrário, poderão ser revertidos, assim que o pseudo-socialismo do Largo do Rato tenha condições políticas para tal.

Veremos qual será o veredito dos cidadãos, conscientes de que uma maioria absoluta do PS fará com que o mesmo deixe de precisar de BE e/ou de PCP para ser Governo, condição essencial para que a lógica da austeridade louca não tivesse continuado depois de 2015.