domingo, 5 de abril de 2009

Tribunal Penal Internacional: Dois pesos e duas medidas?

O Tribunal Penal Internacional surgiu da necessidade da existência, com carácter permanente, de um organismo supra-nacional, que garanta que determinados crimes e práticas não continuem impunes, e que os seus autores sofram todas as consequências legais, de actos tais como crimes de guerra, genocídio e contra a humanidade, nomeadamente se os seus Estados de origem não possuírem vontade ou capacidade para julgar ditos crimes.
É supostamente um instrumento ao serviço da Humanidade no seu conjunto, como garante de princípios e valores legais, éticos e morais universalmente aceites e de estar acima de toda e qualquer pressão política, económica ou militar.
A sua criação e os seus objectivos são seriamente afectados e até postos em causa quando países como os Estados Unidos, a China ou Israel não aceitam a sua autoridade e jurisdição, ferindo de morte os seus princípios universais e a sua eficácia na persecução das metas propostas, criando um sentimento justificado de que a sua justiça e actuação só funcionam para alguns e não para todos, como seria suposto e desejável.
Não obstante, é-lhe reconhecido o mérito de ter levado à barra da justiça indivíduos como Karazic ou Milosevic, na consequência do conflito da antiga Jugoslávia e das atrocidades então cometidas, ou de Charles Taylor, na Libéria, na sequência da sangrenta guerra civil que assolou este país.
Todas estas situações nunca teriam sido julgadas ou dificilmente o seriam, caso não fosse a eficácia e a verticalidade garantidas pelo Tribunal Penal Internacional.
Por outro lado, o recente mandato de captura contra o actual Presidente do Sudão, Al-Bashir, não parece que vá surtir os efeitos desejados, pelo menos a curto prazo, colocando a nu a ineficácia do Tribunal na detenção dos acusados, dependente em exclusivo da boa vontade, muitas vezes política, dos Estados que se submetam à sua autoridade e que queiram cooperar.
É de recordar que após o mandato ter sido emitido, Al-Bashir já saiu por diversas vezes do seu país com total impunidade e até em provocação deliberada contra a ordem do Tribunal, apoiado por Estados e até por Organizações Internacionais contrárias à sua captura e posterior julgamento.
Não obstante, é notável que no caso do actual Presidente do Sudão, seja a primeira vez que o Tribunal emite um mandato contra um chefe de Estado em efectividade de funções, abrindo um precedente que poderá servir de exemplo a casos futuros e que poderá também passar a desejável mensagem, bem-vinda em todos os aspectos, de que nem os chefes de Estado poderão estar acima da justiça e da legalidade, sendo obrigados a responder pelos seus actos, nomeadamente se perpetrados contra populações inocentes.
Um outro exemplo da ineficácia do Tribunal é a impunidade que o Estado de Israel e os seus responsáveis gozam pelos crimes recentemente cometidos na sequência da brutal intervenção em Gaza, ou de décadas de anexação deliberada de território palestiniano, pelo simples facto de Israel, de um modo deliberado e temendo as consequências, não ter aderido à jurisdição do Tribunal. Isto provoca que os responsáveis desse país possam voltar a prevaricar sem consequências.
Um mau augúrio atendendo às circunstâncias e características específicas do exemplo citado e tendo em conta os recentes desenvolvimentos políticos no estado judaico, com a tomada de posse de um governo composto por elementos ligados a partidos extremistas.
Também poderá ser referida a inexistência do Tribunal para julgar os atropelos aos mais básicos princípios do Direito pelos Estados Unidos da América, na pessoa dos seus responsáveis de então, aquando da prisão ilegal de seres humanos sem acusação formada, e da prática deliberadamente autorizada de tortura em prisões clandestinas das quais o exemplo mais emblemático é a prisão da base de Guantánamo, criando a sensação de que continuam a existir países e pessoas que fazem o que querem e que atropelam todas as normas quando e como lhes apetece, à margem de todas as Instituições, a começar pelas próprias Nações Unidas.
Isto não pode continuar a acontecer, sob pena de entrarmos de novo numa indesejada lei da selva que levará inevitavelmente a consequências extremas, numa espiral que só pode levar à destruição.
A ilação a tirar é a de que ninguém poderá ficar acima da lei e das normas internacionais e enquanto não existir uma tomada de consciência universal, comum e generalizada de que a existência do Tribunal Penal Internacional é fulcral para a dissuasão e punição de determinadas práticas, sendo por isso o garante de que as mesmas não ficarão por punir, este será sempre alvo de acusações, talvez legítimas actualmente, de dois pesos e duas medidas no tratamento dos diversos casos e ficará revestido de uma certa ilegitimidade quando actua em relação a uns e nada pode fazer no que diz respeito a outros, acabando por agir, na prática, involuntariamente a favor dos interesses desses em relação aos quais nada pode fazer.
Para acabar com isso é essencial que todos os países do mundo, a começar por aqueles com mais responsabilidades e que mais se auto-denominam como exemplo a seguir, que se submetam, a si e aos seus responsáveis passados, presentes e futuros, à sua autoridade, a fim de se construir um mundo melhor onde nenhum ser humano ou Estado se sinta acima da lei, a fim de extinguir determinadas práticas universalmente condenáveis, ou pelo menos, minimizá-las e puni-las devidamente, sem excepções.