sexta-feira, 10 de julho de 2015

Syriza – O virar do bico ao prego


O pior que poderia acontecer à Esquerda européia seria o governo Syriza ceder à sacrossanta austeridade.

Não só descredibilizaria a Esquerda, confundindo seus governos com uma qualquer terceira via pseudo-socialista, preconizada por PS, PSOE, PSF, SPD ou Labour, que não obstante o floreado discurso, nada traz de novo ao diktat de Berlim...

Como também criará brechas e divisões indesejáveis e até suicidas, no seio daqueles que lutam sinceramente por uma verdadeira política alternativa ao totalitarismo da moeda única.

Devo lembrar que, se a Esquerda falhar nestas horas graves, esgotar-se-á a última oportunidade para resolver a crise grega e européia no âmbito da democracia representativa, cedendo lugar e espaço para o Fascismo latente, mas atento, se tornar dominante.

Depois de o povo grego ter dito um rotundo “não” à continuação da austeridade, num referendo convocado pelo próprio Syriza, a posição política deste último se reforçou o suficiente para não ceder às pressões das instituições européias, respeitando dessa forma a vontade de seu povo, não se traindo a si nem em quem em si depositou confiança.

Um primeiro sinal preocupante foi a demissão do Ministro Varoufakis, a fim de “facilitar as negociações”, deitando assim fora o capital político ganho com o referendo. Um erro e uma primeira cedência determinante, pois excluiu o vencedor do referendo de tão cruciais negociações.

Sabemos ser muito difícil lutar sozinho contra toda uma oligarquia de poderes econômicos e políticos, mas também somos conscientes dos perigos, para a Europa e para a Democracia, de uma capitulação negocial do governo grego.

Cedeu à austeridade em dois pontos, nos quais não poderia ter cedido: sistema de reformas e IVA.

Quanto ao IVA, como imposto regressivo que é, o seu aumento é sentido pelas classes mais altas, mas principalmente pelas classes mais baixas, que não podem fugir à aquisição de eletricidade, água, roupas ou alimentos. Pagarão mais por tudo isso.

Quanto às pensões de reforma, sabemos que o sistema grego era conhecido por generoso, mas a eliminação do subsídio das pensões mais baixas e o aumento da idade da reforma, não só se mostram socialmente cegos, como também só contribuem para a continuação do aumento do desemprego.

Também cedeu no capítulo do não perdão da dívida, condenando a Grécia a viver eternamente endividada, condenando a Grécia a décadas da continuação da austeridade que só trarão consigo mais recessão econômica e sofrimento inúteis, reduzindo o país a um mero protetorado da União Européia e escravizando sua população.

Posto isto, não percebo o objetivo político prático do referendo em que 61% da população grega se manifestou contra mais medidas de austeridade, pois através dele e em consonância com os cortes anunciados, Tsipras se deslegitima como governo e como negociador.

Também fica demonstrada a irreformabilidade da União Européia e da moeda única: ou se fica no euro e se aceita a austeridade, ou se sai. Não existe o meio termo, como em qualquer totalitarismo.

A tudo isto, se junta mais um fator, relacionado com a incapacidade de um partido dito de Esquerda construir uma alternativa credível, dentro ou fora da moeda única.


Ficam as portas abertas para a Frente Nacional e a Aurora Dourada se assumirem como alternativa, o que levará a Europa para um inevitável abismo e para a catástrofe certa.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Portugal decadente e o legado possível

“Portugal está em decadência”, alguém afirmou hoje. Talvez tenha tropeçado numa verdade histórica que se está consumando desde o século XVI, já referida e exposta por Antero de Quental, por volta de 1870, nas célebres conferências do casino.

Sob um ponto de vista explicativo, as nações podem ser consideradas corpos vivos, pois nascem, crescem, reproduzem-se, cumprem-se, decaem e finalmente, morrem. É por isso que a História está cheia de nações até de Impérios, aparentemente eternos e invencíveis, que hoje não passam de uma mera recordação dos livros de História.

Não obstante, o legado e contribuição, dessas nações e povos, far-se-ão sentir para sempre, sob as mais diversas formas: cultura, religião, língua, escrita, descobertas, entre outras coisas aparentemente tão subtis e insignificantes.

Portugal nasceu de um pequeno condado do ocidente da Europa, filho de iberos, celtas, lusitanos, romanos e visigodos. Cresceu para sul, incorporou e tornou próprias as influências de outros povos, nomeadamente árabes, e foi para o mar dar “novos mundos ao Mundo”, deixando desse modo, a sua marca incontornável e inegável na História mundial, tendo-se assim cumprido.

Cumpriu-se no descobrimento e no incorporar no mundo vastas regiões desconhecidas, mas também se cumpriu ao deixar a língua, a cultura, os valores e o modo de ser e de pensar, em terras distantes como o Brasil ou Angola, para não falar de Timor.

Sem discutir os contornos e as injustiças das colonizações, creio ser unanimemente aceite a influência portuguesa nos fatores e nos locais enumerados. Legado esse que ficará para sempre, independentemente das transformações políticas e econômicas sofridas e a sofrer, por esses povos.

Talvez seja essa a herança, o tal V Império de que falavam o Padre Antônio Vieira ou Fernando Pessoa, e que consiste em tudo o que sobreviverá ao possível desaparecimento do Portugal europeu, pelo menos, como entidade política autônoma, que a entidade econômica há muito que morreu.

E não será coisa pouca, pois como referido, fatores como a língua, a cultura, as pequenas invenções, as construções e o jeito de ser ou pensar, sobreviverão a toda e qualquer transformação e a toda e qualquer incompetência ou falta de zelo, deste ou daquele poder político, cujos tempos atuais são fecundos.

Será dessa forma e nesses locais que o conceito “Portugal” se eternizará na História, pois esgotou como espaço político autônomo europeu, fruto do acumular de erros e de vistas curtas.

A decadência portuguesa foi a mesma dos outros impérios, fundamentada no ócio e no deslumbramento. Primeiro, a pimenta indiana do século XVI, depois o ouro brasileiro do século XVIII, os diamantes africanos dos séculos XIX/XX, e finalmente os fundos europeus, no final do século XX.

Em todas as situações referidas os irresponsáveis políticos e econômicos pensaram que a história teria um fim, que a fonte de rendimento seria eterna e que já não seria preciso atualizar a economia, fossem nas técnicas, nos métodos ou nas indústrias.

Vemos e sentimos os resultados, todos os dias.

O que restou? Um legado e um papel incontornáveis na cultura e na História mundiais e que viverá para sempre, mas insuficiente para fazer sobreviver Portugal como entidade política uma e autônoma, num planeta economicamente globalizado e numa Europa que sempre nos considerou, ou um mero apêndice espanhol, ou uma qualquer região subtropical, daquelas onde França, Inglaterra ou Alemanha sempre se habituaram a dizer o que fazer.

Os erros pagam-se e será esse o preço das vistas curtas, do facilitismo, e do deslumbramento com meia dúzia de tostões, que sempre caracterizaram a mentalidade dos políticos.

Nunca esquecer que no século XV, num contexto de “ressaca” de Aljubarrota, Portugal foi para o mar para não ser engolido pela Espanha. Sê-lo-á politicamente e a seu tempo.


É precisamente além mar, e nos moldes descritos, que Portugal sobreviverá para sempre!

terça-feira, 24 de março de 2015

Redefinição Constitucional

Após a traumática experiência de esvaziamento voluntário das atribuições presidenciais em que, o constitucionalmente previsto sistema de poderes e contrapoderes, ou “checks and balances”, não funcionou devido à abstinência de um Órgão de Soberania, julgo oportuno uma reflexão acerca do papel do Presidente da República no quadro legal do atual Regime Político português.

Além do mais, também poderá ser incluído nestes pensamentos o papel do Conselho de Estado, órgão de consulta do Presidente da República, que nos últimos anos se tornou numa mera tertúlia de pseudo-senadores do regime, todos escolhidos a rigor e ligados às cores políticas da governação.

No atual quadro constitucional, o Presidente da República não possui poderes executivos, ficando-lhe reservado o exercício do chamado poder moderador, proposto pelo pensador francês Benjamim Constant.

Isto é, cabe-lhe zelar pelo regular funcionamento das instituições e ser o garante da normalidade democrática e institucional, intervindo e usando de todos os seus poderes, inclusive demitir o Governo e dissolver a Assembleia da República, sempre que esses pressupostos forem postos em causa.

Como todos sabemos, isso não aconteceu, levando as instituições e o próprio regime a uma podridão nunca vista, em toda a História da Democracia.

Deixar a maioria parlamentar e o Governo fazerem absolutamente tudo, sem nenhum mecanismo de limitação e controlo desses mesmos atos, é degradar a qualidade da Democracia e em último caso, ajudar a destruí-la.

Delegar no Tribunal Constitucional a responsabilidade de controlar e limitar, os poderes do Governo e da Assembleia, é colocar um ónus político nas decisões desse mesmo Tribunal, politizando-o à força, algo abominável num Estado de Direito, em que a separação de poderes e a independência política dos tribunais deve ser um princípio sagrado.

Já para não falar da total e completa ausência do Presidente, quando por diversas vezes, se encontraram indícios que membros do Governo, inclusive seu responsável máximo, não possuem condições morais de integridade cidadã para continuarem a fazer parte desse mesmo Governo.

Um fomento da impunidade no comportamento dos políticos, a começar por aqueles que mais deveriam dar o exemplo. Terrível demais para um país que se quer credível.
Em suma, partidarizou e faccionou um cargo que deveria ser neutro e estar acima de qualquer partido político.
Pior que isto, é aceitar e oficializar a matriz parlamentar do Regime, elegendo o Presidente da República com os votos dos Deputados da Assembleia e lhe retirando o poder de dissolução, transformando-o numa mera figura decorativa que na prática, já é.

Totalmente inaceitável!

Posto isto, o país não possui nenhuma garantia que outro qualquer cidadão – por exemplo um comentador televisivo ou ex-presidente da Comissão Europeia – possa ocupar a presidência e fazer exatamente o mesmo, com todas as nefastas conseqüências que isso traria ao país, à Democracia e às pessoas, estas o fim último de qualquer comunidade política.

Assim sendo, a fim que nunca mais um Governo maioritário tenha poderes absolutos e se sinta impune, proponho a extinção do cargo de Presidente da República e do Conselho de Estado, e sua substituição por um Senado eleito pelos cidadãos, parcialmente de dois em dois anos, com mandatos de quatro anos para cada Senador.

Esse Senado teria os atuais poderes presidenciais e aprovaria suas decisões por maioria simples. As suas reuniões seriam públicas, ao contrário do atual Conselho de Estado.

Ao ser eleito pelos cidadãos, teria a legitimidade para vetar leis, para requerer a fiscalização preventiva das mesmas ao Tribunal Constitucional e até para demitir o Governo e dissolver a Assembleia da República.

Também pode nomear o Primeiro-Ministro, tendo em conta o resultado das legislativas, tal como acontece atualmente.

Metade do Senado seria renovado de dois em dois anos, em eleições pessoais, o que seria o garante da representação da vontade popular atualizada constantemente, e não uma carta assinada em branco, por quatro obscuros anos.

Os Senadores não seriam remunerados, ou a remuneração seria simbólica. Poderíamos pensar em 32 elementos, quatro por cada uma das seis Regiões Administrativas a criar, mais quatro por cada Região Autónoma.

O Senado não teria poderes executivos nem legislativos. Os únicos que teria são só os que atualmente estão atribuídos ao Presidente da República.

Não passa de uma mera proposta, passível de ser melhorada e criticada, mas que fique lançado o debate, que se for feito nos moldes corretos, só enriquecerá e melhorará a nossa Democracia, tão maltratada nos últimos anos por instituições frágeis, políticos impunes e corrompidos, e por cidadãos indiferentes.