quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Reforma ou destruição do Estado?

   A muito aguardada “Reforma do Estado” foi finalmente apresentada pelo irrevogável Vice-Primeiro-Ministro.
   No final, são incompreensíveis os sentimentos de choque e de novidade manifestados.
   É que as medidas anunciadas há muito que são do conhecimento público, não passando de uma continuidade e intensificação do processo de destruição a que Portugal está sujeito, não desde 2011, mas sim desde meados da década de oitenta, aquando a introdução, na nossa política doméstica, da lógica neoliberal e do conceito do “Estado mínimo”, por PS, PSD e CDS.
   É evidente que a entrada na moeda única em 1999 e o pedido de “ajuda” externa só agravaram a situação de Portugal como entidade política autónoma, se é que isso ainda existe.
   Quanto às medidas em si:
   - Imposição da chamada “regra de ouro” na Constituição: há muito que a Alemanha obrigou todos os países colonizados pelo Reich a escreverem o limite ao défice na respectiva Constituição, retirando toda e qualquer margem de manobra aos Governos para lidar com as recessões económicas, agravando-as e prolongando-as no tempo, por vezes indefinidamente e em espiral.
   Cai assim o mito da “recuperação da autonomia financeira” que tão mentirosamente é pregado pelo actual Governo.
   A Espanha já alterou a sua Constituição, num acto de subserviência a Berlim. Em Portugal, só com os votos do PS isto será possível. Aguardemos se esse mesmo PS volta a alinhar com a Troika e com a destruição do país, ou não passa de um partido com retórica de esquerda, mas com política de direita;
   - Despedimentos na Função Pública: há muito que sabemos que irão ser feitos, afectando a qualidade dos serviços prestados às populações. Repartições de Finanças, Conservatórias, Centros de Saúde, Escolas… já todos sentimos na pele a redução de pessoal. Quem não está horas nas filas, em qualquer um destes sítios? Será ainda pior.
   Como é evidente, tem o objectivo simples de privatizar ou concessionar os serviços.
   - Agregação de Municípios: depois das Freguesias é um passo natural. A única agregação que deveria ser feita, seria no âmbito da criação das Regiões Administrativas, eleitas directamente pelas populações, substituindo as opacas CCDR’s, que não passam de uma Regionalização de facto, mas feita nas costas das pessoas, com órgãos sem rosto, pois não são eleitos. Quem sabe o nome do Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional da sua área, e as competências atribuídas ao dito organismo? Muito poucos.
   É de lembrar que são as opacas CCDR’s que gerem os Fundos Estruturais vindos da União Europeia. Talvez isto explique muita coisa.
   Na prática, agregar Municípios destrói o poder local, contribuindo de uma vez por todas para a desertificação do interior do país. E já agora, para a saturação do seu litoral, devido ao êxodo da população;
   - Segurança Social: Cortam-se pensões e prestações sociais de doença, desemprego, deficiência e dependência. Não falam de falta de dinheiro, mas preferem a mentirosa retórica de que “o idoso está a mais”, “o desempregado não quer é trabalhar”, “o doente está bom de saúde” ou “o deficiente não é tão deficiente assim”.
   Quando o documento insinua que é para privatizar, nada de novo, pois um sistema de Segurança Social privado é uma “mina” para as seguradoras geridas pelos amigos do costume;
   - Educação: ainda não se atrevem a assumir que querem privatizar totalmente as escolas e o ensino, mas ao referirem que as mesmas serão “independentes” estão já na antecâmara do Estado que se descarta de uma das suas mais importantes funções.
   Aliás, já deram sinais disto mesmo aquando da criação do hediondo “cheque-ensino”, que só serve para pagar a educação dos ricos nos colégios privados, ao mesmo tempo que se desviam recursos da escola pública. Num país em que a mobilidade social sempre foi um mito, com uma Educação privatizada nem a mito chegará;
   - Saúde: privatização dos Hospitais, dos Centros de Saúde e desmantelamento do SNS. Quem quiser saúde paga, os outros que morram à vontade. Com o aumento das Taxas Moderadoras, já existem pessoas que deixaram de ir ao médico quando precisam.
   Até os Estados Unidos estão a dar tímidos passos para corrigir esta aberração, com o famoso “Obamacare”. Só na Europa se vai em sentido contrário.
   Os únicos a ganhar serão as seguradoras e os grandes grupos económicos, futuros proprietários da defunta rede de Hospitais públicos;

   Em suma, a chamada Reforma do Estado reitera as políticas de destruição desse mesmo Estado, da Economia, do país e das pessoas, que há muito vão sendo postas em prática, com as consequências que todos sentimos na pele.
   Lendo o documento, percebemos que essa mesma “reforma” não é movida por questões económicas ou financeiras, mas sim justificada ideologicamente no neoliberalismo radical e extremista dominante na Direita portuguesa. Por sinal, exactamente com a mesma ideologia que nos trouxe ao tal “Estado a que chegámos”.
   Limitam-se a acentuar os erros e acelerar a degradação da estrutura do Estado e do país, até à destruição total das funções do Estado Saúde, Educação e Segurança Social, seu objectivo final.
Só pode ser classificado como um perigoso extremismo ideológico ao serviço de grandes interesses financeiros privados, que urge pôr fim.

domingo, 15 de setembro de 2013

Divagações à esquerda



Ao longo dos milénios, a História já nos ensinou que não existem factos consumados e irreversíveis, tidos como adquiridos, certos ou irrevogáveis, sendo exigida, não só uma mente aberta na análise dos problemas, como também que todas as possibilidades sejam consideradas válidas.
É imperioso recordar que os regimes, as entidades políticas e até as próprias civilizações nascem, crescem, envelhecem e morrem, sendo precisamente nos momentos mais obscuros de crise económica que todo um conjunto de factores mais facilmente tende a ser colocado em causa.
Tomando como princípio a progressiva degradação das relações económicas e sociais, e atendendo ao evoluir da situação política nos próximos anos, em que a queda nos extremos se tornou num facto – até no discurso cada vez mais polarizado dos partidos ditos de centro! – podemos equacionar que todos aqueles que lutam por uma verdadeira alternativa à actual política, ou acabarão governando, ou acabarão num qualquer Campo de Concentração. Sem meios-termos.
Atendendo ao desgaste dos partidos convenientemente chamados “do arco governativo”, ao desinteresse e descrédito que os partidos e os políticos geram no comum dos mortais, e tomando em conta que o oportunismo da Direita a leva facilmente a uniões, coligações e casamentos por conveniência, a hipótese da chegada ao poder de uma qualquer forma de Fascismo pseudo-salvador, torna-se num perigo real.
Enquanto não houver vontade e capacidade para centrar o debate político num pragmatismo de ruptura baseado nos valores da Esquerda, em detrimento de discussões inúteis e fratricidas de doutrina livresca e dogmática e/ou à volta de piropos estéreis, não só se contribui para o aprofundar do radicalismo neoliberal, como também se alimenta o possível monstro Fascista, sem que seja germinada uma alternativa unificadora e mobilizadora comum a todos os que comungam do ideal de uma sociedade mais justa e mais humana.
É forçoso que todos se concentrem nos inimigos comuns, na sua forma de neoliberalismo fascizante, deixando para trás querelas e divergências que só prejudicam uma luta que é de todos.
Existem perigos e ameaças reais que não podem ser subestimadas ou menosprezadas, sob pena de uma alegre queda num facto consumado e irreversível que nos destruirá, tanto como indivíduos, mas também como comunidade política.
Os tempos exigem total concentração nos objectivos propostos, sem divisões que só irão fortalecer quem se quer fraco. Isto não pode eliminar um necessário debate construtivo acerca do que deve ser feito, mas sem querelas desnecessárias.
Só a unidade de todos os que lutam por um modelo alternativo de política, de economia e de sociedade, poderá salvar o país do desastre que se antevê e do qual ainda não se começam a vislumbrar as verdadeiras consequências, pois a procissão ainda vai no adro.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O Presidencialismo do Governo e o perigo de subversão do Regime

   Um dos aspectos que melhor distingue um Regime Político democrático é o facto de ser o único que possui capacidade de auto-regeneração, sempre que as suas instituições entram em disfunção.
  Isto é, as democracias possuem mecanismos para se corrigirem a si próprias – sem necessidade de revoluções, nem de golpes de Estado – sempre que um Governo perde legitimidade política e democrática para continuar a sê-lo.
  Só em Democracia é possível derrubar um Governo sem ser necessário derrubar um Regime, ao contrário do Estado Novo, cujos governos se confundiram deliberadamente com o próprio Regime, prova irrefutável do seu carácter não democrático.
  No actual caso português, a Assembleia da República tem a capacidade de aprovar Moções de Censura ou de rejeitar Moções de Confiança. Ambas as situações provocam a queda imediata do Governo que estiver em funções.
  Se os partidos que suportam o Governo possuírem a maioria absoluta dos deputados, esta possibilidade fica bloqueada.
  Por isso e em último caso, numa situação de disfunção de Regime e de perda de legitimidade democrática e representativa dos governantes e dos deputados, cabe ao Presidente da República dissolver a Assembleia da República e convocar eleições. É a única forma do Regime Político se auto-regenerar, antes que o mesmo seja colocado em causa.
  Confundir Regime com Governo pode tornar-se perigoso ao ponto dessa mesma confusão provocar o fim do primeiro.
  Caberia ao Presidente da República zelar pela continuidade do Regime constitucional de 1976, aplicando-lhe os mecanismos políticos e legais previstos na Constituição. Não o fazer é provocar que o actual Regime Político português não tenha condições de regeneração e renovação, condenando-o a uma disfunção que poderá levar ao seu fim.
  Pior do que nada fazer para preservar a Democracia, é um Presidente da República confundir-se e conotar-se com as linhas políticas orientadoras do Governo, liderando-o, tanto na sombra, como de facto.
  O Presidente da República provou que no actual quadro político-constitucional não existe possibilidade deste Governo ser derrubado. Gravíssimo.
  Mostra uma parcialidade incompatível com as funções presidenciais atribuídas pela actual Constituição, assumindo uma conotação que não o faz Presidente de todos, mas somente o chefe de fila de alguns…
  Governo e Presidente da República são Órgãos de Soberania diferentes, com funções e responsabilidades distintas, sendo fatal para o normal funcionamento das Instituições confundirem-se entre si, como se fossem uma só coisa. Não o são e nunca o poderão ser no actual quadro constitucional!
  O Presidente da República perde assim a sua legitimidade para exercer o Poder Moderador que tacitamente lhe é atribuído pela Constituição, passando a ser o líder do Executivo, dando um “chega pra lá” a um Primeiro-Ministro que se revela cada vez mais incapaz de liderar um Governo, mesmo entre os da sua cor política.
  Não existem formas de derrubar um Presidente da República, no actual quadro legal e constitucional, o qual não está concebido para que o Presidente seja também o chefe do Executivo, mesmo que informalmente.
  É motivo para afirmarmos que o conceito de “uma maioria, um Governo e um Presidente” é uma subversão do Regime Democrático-Constitucional, que poderá levar ao seu fim, pois um só partido fica dono e senhor do poder absoluto, sem limites ao mesmo, nem contrapoder que lhe faça frente.
  Um perigo que poderá ser fatal.