sábado, 30 de dezembro de 2006

Na ponta da corda

Após um processo judicial considerado no mínimo duvidoso por diversas instâncias internacionais, cujo desenlace era óbvio já antes do começo do julgamento, Saddam Hussein foi enforcado, à boa velha maneira de um filme de cow-boy’s de qualidade sofrível, não antes de, tal como ainda o é Bin Laden, ter sido procurado “vivo ou morto”, usando as palavras do Presidente americano, George W.Bush. Só faltou um duelo entre ambos ao Sol do Texas para o “espectáculo” ser um sucesso de bilheteira, mas isso talvez tenha sido considerado desnecessário, atendendo ao enorme desequilíbrio de forças que sempre se verificou entre ambos.
Inclusivamente, não faltou uma filmagem do enforcamento, a fim de provar que o mataram mesmo, que não mentiram, num triste espectáculo mediático a fazer lembrar como se realizavam os enforcamentos no velho oeste americano do século XIX, em hasta pública e de forma humilhante para o condenado. Até parece que o tempo voltou para trás.
Julgo a filmagem desnecessária, pois os Estados Unidos já não precisam de provar absolutamente nada em relação à sua capacidade de matar quando querem e quando entendem. Têm demonstrado ao longo de todos estes anos que nesse capítulo são quase tão bons ou talvez melhores do que Saddam Hussein. Não nos podemos esquecer dos civis inocentes que morreram vítimas das suas bombas durante as diversas campanhas militares dos Estados Unidos no Iraque desde 1991. Também não nos podemos esquecer das atrocidades e as violações dos mais elementares Direitos Humanos que se verificam contra os prisioneiros de guerra no Iraque e também contra os prisioneiros talibans, ao que tudo indica em bases secretas na Europa.
A haver um julgamento justo e imparcial, não seria só o ex-lider iraquiano a ter de se sentar no banco dos réus…
Não se pretende com este texto dissertar acerca da legitimidade e da moralidade da pena de morte. Poderemos guardar esse debate para outra ocasião. Também não se pretende ilibar e desresponsabilizar Saddam Hussein pelos seus crimes brutais contra ser humanos inocentes.
Creio que seria interessante colocar em causa a legitimidade moral que os Estados Unidos não têm de julgar e condenar à morte um antigo Presidente de um país terceiro, por muito pouco recomendável e nada inocente que essa pessoa fosse. Além do mais, quando o julgam e condenam por crimes praticados em 1982, numa altura em que era o maior aliado dos Estados Unidos na região e não foi por ter praticado genocídio nessa altura que deixou de o ser.
Existem inúmeros casos de ditadores, até no próprio continente americano, igualmente genocídas, que nunca foram julgados nem condenados, acabando por morrer de velhice entre rasgados elogios por parte da administração americana. As conveniências da política e dos interesses instalados têm destas coisas.
Quem tem dois pesos e duas medidas no seu critério de julgamento não merece a mínima credibilidade e legitimidade para julgar quem quer que seja, nomeadamente quando pratica actos similares.
Por outro lado, a execução de Saddam Hussein é assumidamente mais um erro político da Administração americana, pois ao enforcá-lo acabam por o ilibar de muito do mal que fez, limpando-lhe a imagem ao apresentarem-no como uma vítima da pena de morte e não como o ditador que foi, conseguindo fazer aos olhos do mundo que com os Estados Unidos voltem a surgir como os “vilões” nesta questão. Mais um tiro no pé.
Além do mais, a execução de Saddam poderá dar origem, a curto e a longo prazo, à possibilidade de uma espécie de culto ao “ditador-mártir” levado a cabo por muitas camadas da população iraquiana, nomeadamente os sunitas, peça essencial e incontornável numa futura paz estável e sólida no Iraque.
Nada disto contribui para a pacificação do país, antes pelo contrário, provocará mais fracturas entre as diferentes etnias que o compõem, sendo de prever ainda mais atentados, ainda mais violência e ainda mais morte após o desaparecimento físico de Saddam.
Mas os Estados Unidos não são capazes de perceber o óbvio, sendo até compreensível, pois após quase quatro anos de guerra no Iraque ainda não foram capazes de enxergar a magnitude do seu erro ao invadir um país sob a fachada da democracia e dos direitos humanos, mas cujo verdadeiro motivo foi o interesse “petrolífero” de umas poucas empresas multinacionais, numa das mais infames guerras de que há memória nos últimos anos.
Em relação a Saddam Hussein, aos Estados Unidos e à guerra no Iraque, só a História os irá julgar a todos, mas com consciência de que a execução de Saddam Hussein irá contribuir de um modo determinante para a limpeza da imagem de um dos mais sanguinários tiranos do nosso tempo.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

O Rotativismo Republicano

Nos tempos da Monarquia Constitucional, no século XIX, dois partidos se alternavam no poder, sem que por isso se notassem diferenças na governação do país. Dito por outras palavras, quer governasse o partido Regenerador, supostamente mais à “direita”, defensor da Carta Constitucional de 1826, quer governasse o partido Histórico (mais tarde Progressista), suposto defensor das tradições da Revolução Liberal de 1820 e do espírito da Constituição de 1822, o modo de governação, o estilo, as medidas do governo e até, a partir de certa altura, os próprios programas de Governo eram em tudo semelhantes, sendo indiferente, aos olhos do cidadão comum, se governasse um ou governasse outro.
A grande particularidade deste “regime à portuguesa” era que os governos eram nomeados pelo Rei antes de se fazerem as eleições, saindo forçosamente vencedor das mesmas o partido que tinha sido nomeado para a governação, sendo célebre um epigrama do poeta João de Deus acerca do assunto.
Só devo lembrar que através de uma reforma do Sistema Eleitoral, em 1870, foram introduzidos círculos uninominais, o que veio agravar ainda mais o caciquismo e a mesquinhes tão típicas do regime. Esta época é designada pelos historiadores com “rotativismo monárquico”.
O resto desta pequena “história” já todos deveriam saber: ambos os partidos se esgotaram politicamente devido à sua semelhança, chegando-se à conclusão de que o problema não residia nos partidos nem nos governos, mas sim no próprio regime em si, começando, por consequência, a própria Monarquia Constitucional a ser posta em causa desde o final da década de 1870, tendo-se a mesma finalmente finado no dia 5 de Outubro de 1910.
O Portugal deste início de século XXI apresenta terríveis semelhanças com essa fase da História portuguesa, senão vejamos: dois partidos que se alternam no poder, um supostamente mais à esquerda, outro ligeiramente mais à direita, em tudo semelhantes no que toca a conteúdos programáticos e até ideológicos, em tudo iguais no que toda ao estilo e modo de governação.
PS e PSD são em tudo iguais, há que afirmá-lo com a frontalidade sincera de quem humildemente acompanha as “coisas da política” por fora, com governos iguais e com políticas iguais.
Ambos os partidos descredibilizam o regime político saído da Constituição de 1976, sendo a governação de cada um uma mera continuação da governação do anterior, uma espécie de “mais do mesmo”, que leva a descredibilidade da política e dos políticos a níveis nunca vistos, tendo já o eleitorado percebido que é completamente indiferente ter lá um ou outro a governar, que a “fórmula” de governo será sempre a mesma: obsessão pelo défice, contenção de despesas, sacrifícios para os do costume, privatizações, flexibilização das leis laborais, desinvestimento em sectores como a saúde ou a educação, com os resultados desastrosos que cada vez mais se verificam, “reformas” da Segurança Social, que só servem para destruir o sistema de protecção social que deveria ser obrigação do Estado garantir, etc…
Alternam-se os governos mas não se alternam as políticas. Isto sim é um verdadeiro défice democrático, em que por mais que se mude de governo, o “fio condutor” das políticas é sempre o mesmo.
Tudo isto já aconteceu, no século XIX, com a decadência da Monarquia Constitucional, não sendo assim de admirar que actualmente exista quem já ponha o regime em causa, não sendo de pasmar que o eleitorado já se tenha virado para um “D.Sebastião” caído de Boliqueime aos trambolhões.
O problema não é o regime constitucional, mas sim as pessoas que o compõem, que serão as mesmas que irão compor qualquer outro regime constitucional que possa ocorrer em Portugal, regime esse que pode ser ainda pior do que o actual, devido a uma tendência e “tentação” pelo autoritarismo que se verifica sempre que um regime democrático não está a funcionar bem…
Claro que o eleitorado também é culpado, pois dá votos a quem os não merece e se conforma facilmente com as políticas dos sucessivos governos, com uma atitude de quase total passividade perante medidas que prejudicam directamente a qualidade de vida dos cidadãos. Ainda há uns anos, Durão Barroso, enquanto Primeiro-Ministro, se congratulava com o facto dos portugueses serem o povo que melhor aceitou as ditas “reformas estruturais”. É precisamente aqui que reside o mal, é aqui que está o problema: as pessoas aceitam, conformam-se, lamentam-se, dizem mal mas nada fazem, esperando pela vinda do D. Sebastião, quem quer que ele seja…
Já só falta a introdução dos ditos Círculos Uninominais para a podridão ser completa, pois entre outros inúmeros males que daí advirão, teremos uma Assembleia da República cheia de caciques locais e/ou dos seus representantes, que comprovadamente já proliferam por muitos locais deste país. Como deputados da nação, em vez de defenderem o suposto interesse comum de todos os portugueses irão defender assumidamente os interesses mesquinhos e provincianos das pessoas mais influentes da “aldeia” pela qual são eleitos. E pior do que tudo: serão considerados “heróis” pelas pessoas do meio fechado onde se fizeram eleger! Sem enumerar nome concretos, existem exemplos gritantes, nomeadamente a nível autárquico, do que acabei de afirmar. Inclusivamente, não há muitos anos, chegou a ser aprovado um Orçamento de Estado com o voto a favor de um deputado/autarca devido às benesses que o mesmo continha para o seu Concelho, em óbvio detrimento dos interesses do país. Quem não se lembrar desta história, é porque come demasiado queijo.
Outra consequência mortal para a democracia será vermos uma Assembleia da República composta somente por deputados do PS e do PSD, precisamente as forças políticas que já comprovaram a sua semelhança em quase todos os aspectos, acabando com a pluralidade de representação e de ideias naquela que é suposta ser a casa da democracia.
Não quero um país assim. Não é este o desejável espírito republicano, democrático e plural que se pretende como meio para a prosperidade e bem-estar comuns, fim último da existência do Estado.
Devo lembrar, para terminar, que a História, por vezes, se repete, pois que chegará a um ponto em que não dará mais para aguentar, principalmente da parte de quem mais sofre as consequências de tudo isto: o cidadão comum.
Também é de recordar que os problemas do país não se devem nem ao regime, nem à Constituição, nem às leis que temos, mas sim à falta de capacidade ou de vontade das mesmas serem aplicadas no seu pleno.
Não quero assim preconizar um fim de regime, como aconteceu com a Monarquia Constitucional, quero simplesmente advertir que essa possibilidade é real se as coisas continuarem como estão, com consequências que serão seguramente imprevisíveis e indesejáveis por todos nós.
Que todos pensemos nisto e façamos alguma coisa, antes que seja tarde de mais.
Fica aqui o aviso.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

“Socialista” ou talvez não…

Em Fevereiro de 2005 e após dois governos de direita liberal radical, o Partido “Socialista”, liderado por José Sócrates, ganha as eleições legislativas com maioria absoluta, a primeira da sua história.
Não obstante as promessas e a postura de José Sócrates na campanha eleitoral já indicarem uma continuação das políticas neo-liberais dos governos anteriores, o eleitorado português deu-lhe a maioria absoluta contando com isso poder inverter a tendência de degradação das condições de vida com que se tinha deparado nos últimos anos, nomeadamente devido à acção devastadora dos executivos liderados por Durão Barroso e Santana Lopes.
A última vez que o PS fora governo, com António Guterres, não terá seguido uma política económica propriamente de “esquerda”, com a continuação das privatizações, entre outras políticas que foram eufemisticamente designadas de “terceira-via”, designação inspirada no seu congénere “socialista” britânico, Tony Blair.
Não obstante, alguns progressos em matéria de Segurança Social e de Leis Laborais foram feitos. Essas conquistas dos trabalhadores rapidamente foram perdidas nos anos seguintes, com a Revisão da Lei de Bases da Segurança Social e com a entrada em vigor do “Código do Trabalho”, ambas da responsabilidade do então Ministro do Trabalho e da Segurança Social, Bagão Félix.
Previa-se, por isso, o pior quando o PS regressasse ao Governo, não sendo, portanto, muitas as esperanças em relação a esta maioria do Partido “Socialista”, cujo Governo muito em breve passaria a seguir opções políticas que o colocariam na senda de um verdadeiro Governo de Centro-Direita, tão rendido ao liberalismo selvagem de mercado com o seu antecessor, os executivos PSD-CDS/PP…
Logo começou uma verdadeira obsessão pelo défice de Estado, fazendo da sua diminuição um verdadeiro desígnio nacional, não importando a recessão económica em que o país se encontrava mergulhado. Em nome desse mesmo défice pediu ainda mais sacrifícios aos mesmos de sempre, cometendo assim as maiores atrocidades contra o bem-estar e prosperidade das populações, cujos interesses deveria ser o principal defensor.
Uma das mais gravosas medidas foi o encerramento de escolas, de maternidades e de Serviços de Atendimento Permanente (SAP) em muitas localidades do interior do país, contribuindo assim ainda mais para a desertificação deste e para um aumento das assimetrias entre as diversas regiões do país. Como é possível desenvolver economicamente uma região a cuja população lhe tiram a escola, a maternidade e o Serviço de Atendimento Permanente? Como é possível fixar populações em regiões onde são fechadas todas estas infra-estruturas básicas?
Chegou-se à situação ridícula e vergonhosa de se recorrer a uma maternidade em Badajoz, fora do território nacional, para que fossem prestados cuidados de saúde básicos, que um país da União Europeia deveria ter capacidade e obrigação de os garantir em qualquer parte do seu território. É uma situação digna de um vil país de Terceiro-Mundo.
Por falar em saúde, ou falta dela, temos de nos lembrar do projecto de encerramento de catorze das já tão sobrecarregadas urgências hospitalares do país, onde o tempo de espera pode ir até às dezenas de horas, prevendo-se uma ainda maior desumanidade nestes serviços caso esse encerramento se verifique
Continuando a falar de falta de saúde, é de lembrar a ideia do Ministro Correia de Campos de alargar as Taxas Moderadoras a situações de internamento hospitalar e de algumas cirurgias. Segundo o Ministro, para evitar abusos. Ficamos a saber que uma pessoa é internada no Hospital ou é sujeita a uma intervenção cirúrgica porque, por e simplesmente, lhe apetece! Aconselharia o Sr.Ministro a ver a realidade dos nossos hospitais e dos nossos doentes, da qual pelos vistos não conhece absolutamente nada. Ao que tudo indica, só conhece a realidade dos números e das contas.
E o que dizer da revisão do estatuto da carreira docente? Como é possível ter-se uma educação de qualidade quando se prima pela insegurança e pela precariedade do posto de trabalho de um professor, em vez de se investir numa educação de qualidade, pois é ela que irá garantir ao país, no longo prazo, a qualificação da mão-de-obra por sinal tão preciosa à competitividade num mercado globalizado, tal como dizem os governantes nos seus discursos? A não ser que a queiram eternamente desqualificada e, por conseguinte, barata e precária…
Já agora, também podemos lembrar a prevista “reforma” da Segurança Social, cuja cobiça pelo grande capital financeiro está a levá-la para a privatização, deixando de garantir pensões de reforma a todos aqueles que após uma vida inteira de trabalho e de exploração merecem uma velhice minimamente descansada e digna.
Por falar em Segurança Social e em pensões, o que dizer das reformas aos setenta anos? Fazer com que um idoso de setenta anos se arraste no trabalho é uma das mais cruéis desumanidades que pode ser feita a um ser humano, já para não falar de que não é um idoso que irá trazer a tal competitividade à empresa… o mais macabro desta questão é o facto de que muitos dos que defendem a entrada em vigor desta lei, têm chorudas reformas garantidas aos cinquenta anos ou até menos!
A conclusão a que se chega, depois de enumerar as situações acima referidas, é que o Governo dito “socialista” está deliberadamente a abster-se de três daquelas que devem ser as mais importantes Funções do Estado, isto é, o executivo está a descurar três das mais elementares obrigações que um Estado moderno, fraterno, justo e igualitário tem para com os seus cidadãos, que são, no fundo, a sua razão de ser e existir.
A saber: a Educação, a Saúde e a Segurança Social estão a ser deliberadamente ameaçadas!
O descurar destas três funções é uma tendência que se vem a verificar à muito, mas cujos contornos assumem agora proporções cada vez mais preocupantes, pondo em causa o bem-estar, que é a fim último da existência do Estado como entidade.
O mais assustador é que esta tendência de negligenciar estas Funções do Estado não é feita devido a um mero “corte de despesas” ou devido a um mero descuido de quem governa. A negligência destas Funções é feita devido ao pressuposto ideológico ultraliberal de que o Estado não é necessário ao desenvolvimento e ao bem-estar do ser humano, que pelo contrário, é um dos seus maiores entraves. Nada, obviamente, mais errado. Imaginemos um mundo sem estados, consequentemente sem leis… imperariam os mais fortes, as relações humanas seriam estabelecidas com base na força, no poder e não com base no respeito e tolerância. Nem sequer será preciso referir que isto seria um mundo ideal para quem mais tem, quem mais pode e quem mais manda: os detentores do capital, do dinheiro!
A tendência dos que mais têm terem cada vez mais não se verifica ao acaso, mas sim devido à desregulação das relações sociais, quer no âmbito das leis laborais, quer no âmbito do comércio mundial e consequente circulação do capital financeiro, por vezes com a conivência e até com a colaboração de todos esses falsos socialistas, que só se designam assim para caçar votos ao ingénuo eleitor que de boa-fé deposita o seu voto na urna.
Cabe aos cidadãos tomarem consciência disto mesmo e impedirem-no, por todos os meios à sua disposição, no escasso tempo que lhes resta para evitar uma cada vez mais evidente “selva humana” em que os mais fortes sobreviverão à custa dos mais fracos.
Não quero acreditar que a Humanidade irá retroceder da forma que se me depara neste momento, não obstante haverem países de África e da América Latina em que essa realidade se tornou evidente.
Acima de tudo, não quero isso para o meu país!
Para isso, teremos, como cidadãos, de rejeitar liminarmente a “ideologia oficial” do ultraliberalismo e substituí-la por uma alternativa que garanta o bem-estar e a prosperidade colectivas, e não só de alguns à custa de todos os outros.

domingo, 3 de setembro de 2006

O Retrocesso

Por ocasião da reunião do Papa Bento XVI com os seus antigos alunos, na sua residência oficial de férias, em Castel Gandolfo, para debater a Teoria da Evolução e a Religião, duas doutrinas aparentemente irreconciliáveis, levantam-se especulações de que a Igreja Católica Romana está aparentemente a voltar (será que alguma vez o deixou?) ao dogma da Criação, escrito no Velho Testamento sob o nome de “Génesis”, pondo de parte a Teoria da Evolução de Charles Darwin, cientificamente provada desde há mais de 100 anos.
É de lembrar que Joseph Ratzinger já nos habituou ao seu fundamentalismo doutrinal noutras ocasiões, tal como em questões como o uso do preservativo, do aborto, ou da homossexualidade, entre outras, não importando para ele o bem estar, a felicidade e a prosperidade do ser humano, mas sim a imposição das suas opiniões e interpretações dogmáticas a toda a sociedade.
Também não convém esquecer que o actual Papa, antes de o ser em Abril de 2005, foi o responsável máximo pela “Congregação para a Doutrina da Fé”, herdeira da “Santa Inquisição”, que fez tantas vítimas inocentes ao longo de tantos séculos. Algumas dessas vítimas inocentes foram notáveis homens de ciência que, com as suas descobertas, ousaram contradizer alguns dos dogmas escritos na Bíblia. Devo destacar alguns, tais como Giordano Bruno, o português Damião do Góis, entre muitos outros. Talvez o mais conhecido seja Galileu, que cometeu a “heresia” de afirmar que a Terra não era o centro do Universo, tendo sido impiedosamente perseguido por isso.
Não é por isso novidade para ninguém que a Igreja Católica tem sido, ao longo dos tempos, um entrave à Ciência, à Cultura e à liberdade de pensamento, de investigação e de opinião. Talvez o tenha sido porque quanto mais se investiga e se descobre, nas mais diversas áreas do saber, mais obsoleta a dita Igreja se torna e mais difícil é a tarefa de defender e justificar o cada vez menos justificável.
Que ninguém se iluda ao pensar que o que foi atrás dito são coisas do passado, que com João Paulo II a Igreja Católica se soube modernizar, adaptar, etc… O Papa Bento XVI vem-nos mostrar que até uma Instituição como a Igreja Católica tem a capacidade para voltar atrás, para retroceder no tempo, para se desadaptar ainda mais à realidade das sociedades e do conhecimento dos nossos dias, emitindo opiniões que mais parecem de uma seita fundamentalista do que de uma organização com dois mil anos de existência.
Talvez Bento XVI seja a verdadeira face da Igreja Católica, talvez personifique aquilo que ela nunca deixou de ser, tendo como ideal a Idade Média em que o que dizia era considerado inquestionável por toda a sociedade. Uma das últimas encíclicas do anterior Papa já falava nessa “virtude” que se perdeu com a Revolução Científica do século XVII…
Não só a Igreja Católica, mas também algumas seitas religiosas, nomeadamente americanas, se estão a tornar, neste últimos anos, mais conservadoras, mais fundamentalistas e dogmáticas. O actual Presidente dos Estados Unidos da América, George W.Bush, é seguidor de uma dessas seitas, com os resultados que estão à vista de todos…. Que não se admire que certas correntes da Religião Muçulmana também apelem e pratiquem o fundamentalismo. Não tem legitimidade para o condenar.
Em certos Estados americanos, não se pode ensinar a Teoria da Evolução de Charles Darwin nas escolas, pois é considerada herege. Isto é, no país que se auto-proclama “campeão” das liberdades, não existe uma total liberdade de ensino, optando-se antes por dizer que Deus criou o Mundo em seis dias e que os seus primeiros habitantes humanos foram Adão e Eva. Gostaria de saber se é isso que pretende o actual Papa, fazendo com que as sociedades sejam sujeitas a um retrocesso histórico.
Se assim for, devo advertir que o próximo passo poderá ser o de queimar na fogueira quem defenda a Teoria de Evolução e outras coisas incompatíveis com a Bíblia…
Creio ser inconcebível, neste início de século XXI, que a Religião ouse imiscuir-se na Ciência, tentando moldá-la para seu proveito e de acordo com os seus interesses, tal como o fez ao longo de tantos séculos, afectando o conhecimento científico, prejudicando com isso toda a Humanidade.
Para terminar, devo lembrar que a Bíblia é um livro baseado em parábolas sem qualquer base científica para tentar explicar realidades que na altura eram inexplicáveis à luz do conhecimento humano. Ao longo dos séculos, o ser humano, através da investigação científica tem conseguido desmistificar algumas dessas histórias, encontrando explicações alternativas, devidamente provadas e reconhecidas para os fenómenos e acontecimentos.
Espero que a Humanidade não se esqueça nunca disso e não volte a cair no obscurantismo em que alguns desejam que ela mergulhe.
Para único proveito desses “alguns”, como não poderá deixar de ser…