sábado, 27 de setembro de 2008

A crise do capitalismo neo-liberal e a sua urgente reforma

Tem sido com crescente preocupação que o mundo vem a assistir ao eclodir da chamada crise financeira nos Estados Unidos, pois é algo que irá afectar as relações económicas no resto do planeta, não se prevendo tempos de prosperidade, mas sim de recessão, havendo já quem compare a situação com o que se viveu nos anos trinta do século XX, no contexto da denominada “grande depressão”, que só foi superada com um renovado papel do Estado como entidade reguladora activa das relações económicas, sob pena do sistema capitalista não sobreviver à grave crise que por então passou, com todas as consequências que isso traria, tanto a nível social como a nível político.
Ao longo das últimas décadas esse papel do Estado como entidade reguladora e participativa da economia foi sendo posta em causa, de início por teóricos como Friedrich Hayek e Milton Friedman e posteriormente, já no início da década de oitenta, levada à prática por políticos como Ronald Reagan, nos Estados Unidos ou Margaret Thatcher, no Reino Unido. Depressa a doutrina neo-liberal se espalhou pelo resto do mundo, supostamente como o único caminho correcto a seguir, nomeadamente a seguir à derrocada do sistema comunista.
Todos consideravam que os mercados se auto-regulavam por si mesmo, não sendo necessária a intervenção do Estado na economia, vendo este último como um estorvo à prosperidade e ao desenvolvimento, esquecendo o seu papel fundamental na recuperação das economias ocidentais na década de trinta.
Levaram à prática planos de privatizações, de desregulação de leis laborais, de liberalização e descontrolo dos mercados financeiros e de capitais, de menor intervenção social, baixa de impostos para as grandes empresas financeiras, criação de “offshores”, entre outras medidas que só enfraqueceram o papel do Estado e fortaleceram o papel dos especuladores e das entidades financeiras – distintas das entidades produtivas – na economia.
As economias, a nível mundial, passaram a ser dominadas pela especulação bolsista, tal jogo a dinheiro onde se pode ficar milionário de um segundo para o outro e pobre de novo no momento seguinte, ao sabor da especulação irracional.
Do ponto de vista do gestor, nada mais passou a interessar do que o preço das acções da empresa cotada em bolsa, valendo tudo para o manter alto, desde despedimentos de trabalhadores a subcontratações, a mega-fusões, passando por fugas ao fisco, a especulações e boatos de todo o tipo, de tudo um pouco foi sendo visto nos últimos anos, tendo tido como corolário, nos Estados Unidos, escândalos como a Enron, entre outros.
Em termos sociais, o fosso entre ricos e pobres alargou-se ainda mais, sendo que essa diferença é colossal mesmo no seio das sociedades dos países ditos desenvolvidos, em que a distribuição da riqueza se tornou extremamente desigual, com todas as consequências para a coesão social que isso implicou.
Eis o resultado de tudo isto: a “bolha” bolsista rebentou e vai mergulhar o planeta numa crise económica a nível mundial que se prevê longa e dolorosa para os mesmos de sempre, isto é, para aqueles que já eram prejudicados pela especulação e que serão ainda mais afectados com o descalabro da mesma e com as suas consequências ao nível da inflação e do desemprego, passando pela fraca protecção social e acabando nas leis laborais que só prejudicam a parte mais fraca, pois quanto menos regulado e legislado é algo, mais anárquico se torna, imperando inevitavelmente a lei do mais forte.
Tudo em nome da “competitividade”.
A Administração de George W.Bush, uma das mais doutrinadas no conservadorismo e no neo-liberalismo económico, apressou-se a fazer letra morta da teoria de que os mercados se auto-regulam, começando a injectar milhões de dólares nos mercados bolsistas, a fim de evitar desesperadamente algo semelhante ao que se passou em Outubro de 1929.
Como é mais que evidente, isto por si só não irá resolver o problema, mas simplesmente adiá-lo, com todo esse dinheiro dos contribuintes a ir parar aos bolsos dos mesmos de sempre: os especuladores das Bolsas de Valores, que vão recolhendo as últimas migalhas de um bolo que farão questão de sugar até ao fim.
As causas da crise não são recentes, mas sim o acumular de erros que nas últimas décadas se acumularam nas políticas económicas, tais como a crescente abstenção do Estado como entidade reguladora e activa nos mercados e na economia, a liberalização e o descontrolo dos movimentos de capitais, as privatizações em massa que reduziram a influência e o poder público nas principais empresas de cada país, perdendo assim o Estado poder de influência sobre toda a estrutura económica, deixando de ter capacidade para a regular e para prevenir e evitar tudo o que de menos bom pudesse acontecer.
A única forma desta crise económica ser superada, a nível global, é um regresso do intervencionismo e regulação estatais na economia, ou à falta de capacidade deste último e num contexto de globalização, de organizações internacionais patrocinadas pelos estados que regulem, controlem e arbitrem as relações económicas à escala planetária, com regras e leis que fomentem o desenvolvimento sustentado e a uma mais equitativa distribuição dos seus proveitos, e não com desregulação e com um capitalismo selvagem que só poderá levar a humanidade ao abismo e à destruição, em todos os seus aspectos: político, económico, social e até ecológico, tal como temos vindo a assistir e com sinais preocupantes em todos os campos citados.
Esperemos que todos tenham o bom senso de saber evitar que isto aconteça.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

(In)Segurança

Num país de tradições pacatas como o nosso, tornou-se estranho, mesmo para um cidadão medianamente atento, o triste desfile de notícias acerca de assaltos, mortes e violência em torno das grandes cidades e das suas respectivas cinturas urbanas.
Parece que de repente a televisão, a rádio e os jornais nos despertaram para uma realidade escondida lá longe nos subúrbios e que não afectava a vida diária de quem mora longe deles. Mas como é típico da tradição lusitana, enquanto é possível disfarçar e branquear as questões, quem tem responsabilidades não hesita, por diversos motivos, em esconder esses mesmos problemas debaixo do tapete até que o entulho se avoluma de tal modo que se torna impossível disfarçar a realidade, chegando normalmente as coisas a um ponto em que pouco ou nada já se pode fazer para resolver e muito menos prevenir as situações de um modo eficaz.
Foi o que aconteceu nesta questão da criminalidade e neste sentimento de insegurança que a todos nos assola.
A recente onde de violência é algo que se foi formando e crescendo ao longo das últimas décadas, fruto de diversos factores, a maior parte deles distintos entre si, mas que combinados nos levaram “ao estado a que chegámos”, usando as palavras de alguém que já não se encontra entre nós.
O que não pode ser deixado de referir é que qualquer político atento e responsável poderia ter previsto e evitado há muito tempo atrás toda esta situação, que como referi, é fruto da conjugação de diversos factores, nomeadamente sociais e económicos, mas também culturais, educacionais e legais.
Talvez as horas passadas nos gabinetes, nos almoços e nos passeios ao estrangeiro tenham provocado que as pessoas supostamente responsáveis e com poder para decidir não vissem, ou não quisessem ver, a realidade do terreno, o que efectivamente se passa no quotidiano económico e social, aquilo que se designa vulgarmente como “país real”. Daí não terem reparado no lento germinar da situação explosiva em que nos encontramos, nem da progressiva constatação das suas consequências.
A degradação progressiva da situação económica do país nos últimos anos, fruto da obsessão dos governos com o Défice de Estado imposto pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento originou uma quase estagnação do crescimento económico com efeitos nefastos sobre o rendimento das famílias, nomeadamente as mais desfavorecidas, traduzindo-se numa cada vez mais desigual distribuição da riqueza entre ricos e pobres, provocando com que estes últimos percam poder de compra numa sociedade que cada vez mais pressiona e obriga ao consumismo compulsivo, obrigando o cidadão comum a obter outras fontes de rendimento para além do seu período normal de trabalho, obtendo outros empregos, tendo cada vez menos tempo para a família, com as respectivas consequências disso no acompanhamento escolar e educacional dos filhos, com os efeitos que se têm visto um pouco por quase todas as escolas portuguesas, que pouco ou nada poderão fazer se a criança/adolescente não for acompanhado devidamente em casa e lhe sejam incutidos, pela família, valores de educação, de civilização e de comportamento em comunidade.
Outro efeito nefasto das políticas económicas prende-se com o aumento do desemprego, secundado pela desregulação do mercado laboral, o que tendencialmente leva cada vez mais pessoas para actividades ilícitas, supostamente originadoras de dinheiro fácil, para fazer face às despesas do dia-a-dia mas também para pagar os “luxos” do consumismo a que a sociedade obriga a maior parte das fracas mentes.
Por outro lado, ao mesmo tempo que a degradação económica leva cada vez mais pessoas para a pobreza, verifica-se uma degradação e desaprofundamento progressivos da já ineficaz política de Segurança Social cada vez menos capaz de dar resposta aos novos e velhos problemas, preferindo os políticos a sua gradual privatização, ao sabor sabe-se lá de que interesses.
É neste momento de recordar que o que leva cada vez mais pessoas ao limiar da pobreza não é a política de Segurança Social, mas sim a política económica errada que tem sido seguida nas últimas décadas. Quanto mais pobreza houver, menos eficaz será a resposta a acção social, pois maior será a sua sobrecarga, nomeadamente orçamental, o que constitui argumento para alguns a quererem desmantelar aos poucos.
Devem-se, sem dúvida alguma, aprofundar as políticas sociais, tornando-as mais próximas dos problemas dos cidadãos e consequentemente mais eficazes, não como um simples “remendo”, mas sim como uma verdadeira ajuda na integração. Tudo o resto terá de advir das políticas económicas que se querem geradoras de emprego, de riqueza e da sua melhor distribuição.
Evidentemente, o próprio indivíduo também não se poderá alhear ao seu processo de integração social.
Um outro factor que contribui para esta onda de criminalidade está sem dúvida relacionado com o surgimento, ao longo dos anos noventa, de políticas de realojamento traduzidas nos chamados “bairros sociais”, que seriam supostamente um instrumento de integração social de famílias em dificuldades, muitas delas morando em barracas, em condições sub-humanas. Para o efeito, construíram-se bairros onde se juntaram, em cada um deles, dezenas ou centenas de famílias problemáticas, com graves disfuncionalidades e problemas de integração social e cultural, criando assim guetos urbanos traduzidos em comunidades fechadas completamente incontroláveis e anárquicas que em vez de integrarem, excluem.
Com o passar dos anos e com a vinda incontrolada e completamente desregulada de imigração, esses bairros sociais transformaram-se em gigantescas e incontroláveis favelas, onde as únicas leis que existem são as impostas por grupos de adolescentes armados que aterrorizam, assaltam e matam quem se lhes opuser ou surgir pela frente, inclusivamente as forças de segurança, ou até mesmo entre si próprios. Fazem-no com um sentimento de impunidade legal que na prática existe de facto, devido à brandura das leis penais, revistas recentemente com os resultados que todos verificamos e também devido ao medo e ao terror que incutem nos restantes moradores e na comunidade em geral, tornando-se assim senhores e donos do bairro e dos seus limítrofes.
Por outro lado, as novas leis de atribuição de nacionalidade portuguesa vieram aprofundar, no seio desses grupos, o sentimento de impunidade ao praticarem actos contrários à lei, afastada que fica a ameaça de expulsão do país.
Outra consequência nefasta da existência destes grupos é o facto de minarem e dificultarem em muito a integração de pessoas sérias e trabalhadoras que moram nesses mesmos bairros e que se vêm socialmente excluídos devido ao facto de morarem neste ou naquele local. Talvez estas pessoas sejam das suas principais vítimas.
Uma outra causa para este aumento incontrolável da criminalidade prende-se com o desrespeito que nos últimos anos se interiorizou no seio das pessoas pelas forças de segurança, inclusivamente nos meios de comunicação social, que na prática condenam nos telejornais um polícia que dispare contra um criminoso, ou até nos meios políticos, com alguns a já terem defendido polícias desarmados na rua.
Tudo isto aumenta ainda mais o sentimento de impunidade do criminoso, que passa de réu a vítima, na comunicação social, se contra si for disparado um tiro por parte das autoridades.
É verdade que a polícia, para ser respeitada, tem de se fazer respeitar, sem cometer alguns abusos de autoridade que também existem, sendo-lhe exigida uma actuação mais profissional e mais rigorosa em alguns casos.
Para finalizar, creio que as penas para os criminosos deveriam ser agravadas a aplicadas de um modo mais inflexível, mas nunca transformando as prisões em escolas de crime e em antros de toxicodependência, mas sim em centros de reabilitação social e de formação socioprofissional.