segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Desilusões Europeias – a urgência na mudança de paradigma

A construção europeia traduz um processo longo, mas ao mesmo tempo inevitável e irreversível, tendo-se tornado uma realidade inegável, mesmo para quem dela discorda, que somente poderá tecer críticas relativas ao método, mas há muito que não poderá ser negado o processo em si, visto este ter-se tornado uma realidade quotidiana e um facto consumado.
Posto isto, a grande questão que actualmente se coloca é a de que Europa está a ser construída. Com que características, valores, preocupações e prioridades, devendo ser colocado um destaque especial nos cidadãos, na coesão social e no respectivo modo como é distribuída a riqueza. Só assim se cria um sentimento de pertença comum, originador da incontornável mobilização cidadã em torno da causa europeia, em vez da actual Europa distante e vaga que só se preocupa em controlar os défices dos estados-membros por meras questões de macroeconomia.
Uma das causas do dito processo de construção e de integração é a perca de influência da Europa, tanto a nível económico, político e até militar, nomeadamente desde o final da Segunda Guerra Mundial e à emergência de novos actores que assumiram, nos últimos anos, um protagonismo inegável a todos os níveis, nomeadamente a China, a Índia e a médio prazo provavelmente o Brasil, mas também devido a cada estado europeu praticar uma política externa própria, assente nos seus interesses nacionais, que em nada ajuda o interesse comum da Europa, com o tristíssimo exemplo que teve lugar em 2003, aquando a invasão norte-americana do Iraque, com as consequências desastrosas, para todos, que são conhecidas.
É um facto de que o protagonismo europeu no mundo, a favor dos Estados Unidos, há muito foi perdido, no final da Segunda Guerra Mundial. Daí que só uma Europa a uma voz terá capacidade de voltar a ser escutada e respeitada no contexto mundial, em pé de igualdade com os Estados Unidos e as chamadas potências emergentes, das quais se destacam a China, a Rússia, a Índia e a médio prazo, o Brasil.
Para fazer face a essa nova realidade, urge à Europa surgir como uma única unidade, falando preferencialmente em uníssono relativamente aos mais diversos problemas e desafios com que o mundo actual se depara, entre os quais questões ligadas com a segurança e defesa, mas também a actual crise económica e até as alterações climáticas.
Nunca será demais recordar a algumas mentes que nenhuma das questões referidas poderá ser resolvida individualmente por cada Estado, mas sim colectivamente e com a adopção de soluções comuns, sob pena de total ineficácia.
São por demais conhecidas as enormes dificuldades surgidas na persecução de todos estes objectivos de atingir a homogeneidade europeia, nomeadamente quando os interesses dos grandes países fazem nomear para dois cargos fulcrais, criados pelo recente Tratado de Lisboa, figuras politicamente fracas, diplomaticamente dóceis e maleáveis, ao sabor do que interessa fazer aos três maiores estados-membros da União e em detrimento dessa unidade que é urgente atingir sob pena de uma secundarização irreversível do papel da Europa e dos valores europeus no mundo do século XXI.
Tudo isto a juntar a uma já existente Comissão Europeia, caricatura de um futuro governo europeu, chefiada por uma nulidade política sem agenda própria e dócil a tudo o que os “grandes” da União têm para dizer e fazer. Por isso mesmo foi nomeado, que não hajam ilusões. A maior prova disso traduz-se nas recentes nomeações, igualmente fraquíssimas e na mesma lógica da anterior, do Presidente do Conselho Europeu e da Alta Representante da União para a Política Externa e de Segurança, decapitando e anulando assim aquelas que deveriam ser, a par do Parlamento Europeu, os garantes do funcionamento da União Europeia como um todo homogéneo.
Desta forma, não existe nem União, nem coesão, nem preocupação com o modelo social, nem política exterior. Somente órgãos ao serviço de alguns estados, por sinal aqueles com mais influência e que usam as Instituições comunitárias consoante as conveniências, internas ou externas.

domingo, 5 de abril de 2009

Tribunal Penal Internacional: Dois pesos e duas medidas?

O Tribunal Penal Internacional surgiu da necessidade da existência, com carácter permanente, de um organismo supra-nacional, que garanta que determinados crimes e práticas não continuem impunes, e que os seus autores sofram todas as consequências legais, de actos tais como crimes de guerra, genocídio e contra a humanidade, nomeadamente se os seus Estados de origem não possuírem vontade ou capacidade para julgar ditos crimes.
É supostamente um instrumento ao serviço da Humanidade no seu conjunto, como garante de princípios e valores legais, éticos e morais universalmente aceites e de estar acima de toda e qualquer pressão política, económica ou militar.
A sua criação e os seus objectivos são seriamente afectados e até postos em causa quando países como os Estados Unidos, a China ou Israel não aceitam a sua autoridade e jurisdição, ferindo de morte os seus princípios universais e a sua eficácia na persecução das metas propostas, criando um sentimento justificado de que a sua justiça e actuação só funcionam para alguns e não para todos, como seria suposto e desejável.
Não obstante, é-lhe reconhecido o mérito de ter levado à barra da justiça indivíduos como Karazic ou Milosevic, na consequência do conflito da antiga Jugoslávia e das atrocidades então cometidas, ou de Charles Taylor, na Libéria, na sequência da sangrenta guerra civil que assolou este país.
Todas estas situações nunca teriam sido julgadas ou dificilmente o seriam, caso não fosse a eficácia e a verticalidade garantidas pelo Tribunal Penal Internacional.
Por outro lado, o recente mandato de captura contra o actual Presidente do Sudão, Al-Bashir, não parece que vá surtir os efeitos desejados, pelo menos a curto prazo, colocando a nu a ineficácia do Tribunal na detenção dos acusados, dependente em exclusivo da boa vontade, muitas vezes política, dos Estados que se submetam à sua autoridade e que queiram cooperar.
É de recordar que após o mandato ter sido emitido, Al-Bashir já saiu por diversas vezes do seu país com total impunidade e até em provocação deliberada contra a ordem do Tribunal, apoiado por Estados e até por Organizações Internacionais contrárias à sua captura e posterior julgamento.
Não obstante, é notável que no caso do actual Presidente do Sudão, seja a primeira vez que o Tribunal emite um mandato contra um chefe de Estado em efectividade de funções, abrindo um precedente que poderá servir de exemplo a casos futuros e que poderá também passar a desejável mensagem, bem-vinda em todos os aspectos, de que nem os chefes de Estado poderão estar acima da justiça e da legalidade, sendo obrigados a responder pelos seus actos, nomeadamente se perpetrados contra populações inocentes.
Um outro exemplo da ineficácia do Tribunal é a impunidade que o Estado de Israel e os seus responsáveis gozam pelos crimes recentemente cometidos na sequência da brutal intervenção em Gaza, ou de décadas de anexação deliberada de território palestiniano, pelo simples facto de Israel, de um modo deliberado e temendo as consequências, não ter aderido à jurisdição do Tribunal. Isto provoca que os responsáveis desse país possam voltar a prevaricar sem consequências.
Um mau augúrio atendendo às circunstâncias e características específicas do exemplo citado e tendo em conta os recentes desenvolvimentos políticos no estado judaico, com a tomada de posse de um governo composto por elementos ligados a partidos extremistas.
Também poderá ser referida a inexistência do Tribunal para julgar os atropelos aos mais básicos princípios do Direito pelos Estados Unidos da América, na pessoa dos seus responsáveis de então, aquando da prisão ilegal de seres humanos sem acusação formada, e da prática deliberadamente autorizada de tortura em prisões clandestinas das quais o exemplo mais emblemático é a prisão da base de Guantánamo, criando a sensação de que continuam a existir países e pessoas que fazem o que querem e que atropelam todas as normas quando e como lhes apetece, à margem de todas as Instituições, a começar pelas próprias Nações Unidas.
Isto não pode continuar a acontecer, sob pena de entrarmos de novo numa indesejada lei da selva que levará inevitavelmente a consequências extremas, numa espiral que só pode levar à destruição.
A ilação a tirar é a de que ninguém poderá ficar acima da lei e das normas internacionais e enquanto não existir uma tomada de consciência universal, comum e generalizada de que a existência do Tribunal Penal Internacional é fulcral para a dissuasão e punição de determinadas práticas, sendo por isso o garante de que as mesmas não ficarão por punir, este será sempre alvo de acusações, talvez legítimas actualmente, de dois pesos e duas medidas no tratamento dos diversos casos e ficará revestido de uma certa ilegitimidade quando actua em relação a uns e nada pode fazer no que diz respeito a outros, acabando por agir, na prática, involuntariamente a favor dos interesses desses em relação aos quais nada pode fazer.
Para acabar com isso é essencial que todos os países do mundo, a começar por aqueles com mais responsabilidades e que mais se auto-denominam como exemplo a seguir, que se submetam, a si e aos seus responsáveis passados, presentes e futuros, à sua autoridade, a fim de se construir um mundo melhor onde nenhum ser humano ou Estado se sinta acima da lei, a fim de extinguir determinadas práticas universalmente condenáveis, ou pelo menos, minimizá-las e puni-las devidamente, sem excepções.