Após a traumática experiência de
esvaziamento voluntário das atribuições presidenciais em que, o
constitucionalmente previsto sistema de poderes e contrapoderes, ou “checks and
balances”, não funcionou devido à abstinência de um Órgão de Soberania, julgo
oportuno uma reflexão acerca do papel do Presidente da República no quadro
legal do atual Regime Político português.
Além do mais, também poderá ser
incluído nestes pensamentos o papel do Conselho de Estado, órgão de consulta do
Presidente da República, que nos últimos anos se tornou numa mera tertúlia de
pseudo-senadores do regime, todos escolhidos a rigor e ligados às cores
políticas da governação.
No atual quadro constitucional, o
Presidente da República não possui poderes executivos, ficando-lhe reservado o
exercício do chamado poder moderador, proposto pelo pensador francês Benjamim
Constant.
Isto é, cabe-lhe zelar pelo
regular funcionamento das instituições e ser o garante da normalidade
democrática e institucional, intervindo e usando de todos os seus poderes, inclusive
demitir o Governo e dissolver a Assembleia da República, sempre que esses
pressupostos forem postos em causa.
Como todos sabemos, isso não
aconteceu, levando as instituições e o próprio regime a uma podridão nunca
vista, em toda a História da Democracia.
Deixar a maioria parlamentar e o
Governo fazerem absolutamente tudo, sem nenhum mecanismo de limitação e controlo
desses mesmos atos, é degradar a qualidade da Democracia e em último caso, ajudar
a destruí-la.
Delegar no Tribunal
Constitucional a responsabilidade de controlar e limitar, os poderes do Governo
e da Assembleia, é colocar um ónus político nas decisões desse mesmo Tribunal,
politizando-o à força, algo abominável num Estado de Direito, em que a
separação de poderes e a independência política dos tribunais deve ser um
princípio sagrado.
Já para não falar da total e
completa ausência do Presidente, quando por diversas vezes, se encontraram
indícios que membros do Governo, inclusive seu responsável máximo, não possuem
condições morais de integridade cidadã para continuarem a fazer parte desse
mesmo Governo.
Um fomento da impunidade no
comportamento dos políticos, a começar por aqueles que mais deveriam dar o exemplo.
Terrível demais para um país que se quer credível.
Em suma, partidarizou e faccionou
um cargo que deveria ser neutro e estar acima de qualquer partido político.
Pior que isto, é aceitar e
oficializar a matriz parlamentar do Regime, elegendo o Presidente da República
com os votos dos Deputados da Assembleia e lhe retirando o poder de dissolução,
transformando-o numa mera figura decorativa que na prática, já é.
Totalmente inaceitável!
Posto isto, o país não possui
nenhuma garantia que outro qualquer cidadão – por exemplo um comentador
televisivo ou ex-presidente da Comissão Europeia – possa ocupar a presidência e
fazer exatamente o mesmo, com todas as nefastas conseqüências que isso traria
ao país, à Democracia e às pessoas, estas o fim último de qualquer comunidade
política.
Assim sendo, a fim que nunca mais
um Governo maioritário tenha poderes absolutos e se sinta impune, proponho a
extinção do cargo de Presidente da República e do Conselho de Estado, e sua
substituição por um Senado eleito pelos cidadãos, parcialmente de dois em dois
anos, com mandatos de quatro anos para cada Senador.
Esse Senado teria os atuais
poderes presidenciais e aprovaria suas decisões por maioria simples. As suas
reuniões seriam públicas, ao contrário do atual Conselho de Estado.
Ao ser eleito pelos cidadãos,
teria a legitimidade para vetar leis, para requerer a fiscalização preventiva
das mesmas ao Tribunal Constitucional e até para demitir o Governo e dissolver
a Assembleia da República.
Também pode nomear o Primeiro-Ministro,
tendo em conta o resultado das legislativas, tal como acontece atualmente.
Metade do Senado seria renovado
de dois em dois anos, em eleições pessoais, o que seria o garante da
representação da vontade popular atualizada constantemente, e não uma carta
assinada em branco, por quatro obscuros anos.
Os Senadores não seriam
remunerados, ou a remuneração seria simbólica. Poderíamos pensar em 32
elementos, quatro por cada uma das seis Regiões Administrativas a criar, mais
quatro por cada Região Autónoma.
O Senado não teria poderes
executivos nem legislativos. Os únicos que teria são só os que atualmente estão
atribuídos ao Presidente da República.