terça-feira, 24 de março de 2015

Redefinição Constitucional

Após a traumática experiência de esvaziamento voluntário das atribuições presidenciais em que, o constitucionalmente previsto sistema de poderes e contrapoderes, ou “checks and balances”, não funcionou devido à abstinência de um Órgão de Soberania, julgo oportuno uma reflexão acerca do papel do Presidente da República no quadro legal do atual Regime Político português.

Além do mais, também poderá ser incluído nestes pensamentos o papel do Conselho de Estado, órgão de consulta do Presidente da República, que nos últimos anos se tornou numa mera tertúlia de pseudo-senadores do regime, todos escolhidos a rigor e ligados às cores políticas da governação.

No atual quadro constitucional, o Presidente da República não possui poderes executivos, ficando-lhe reservado o exercício do chamado poder moderador, proposto pelo pensador francês Benjamim Constant.

Isto é, cabe-lhe zelar pelo regular funcionamento das instituições e ser o garante da normalidade democrática e institucional, intervindo e usando de todos os seus poderes, inclusive demitir o Governo e dissolver a Assembleia da República, sempre que esses pressupostos forem postos em causa.

Como todos sabemos, isso não aconteceu, levando as instituições e o próprio regime a uma podridão nunca vista, em toda a História da Democracia.

Deixar a maioria parlamentar e o Governo fazerem absolutamente tudo, sem nenhum mecanismo de limitação e controlo desses mesmos atos, é degradar a qualidade da Democracia e em último caso, ajudar a destruí-la.

Delegar no Tribunal Constitucional a responsabilidade de controlar e limitar, os poderes do Governo e da Assembleia, é colocar um ónus político nas decisões desse mesmo Tribunal, politizando-o à força, algo abominável num Estado de Direito, em que a separação de poderes e a independência política dos tribunais deve ser um princípio sagrado.

Já para não falar da total e completa ausência do Presidente, quando por diversas vezes, se encontraram indícios que membros do Governo, inclusive seu responsável máximo, não possuem condições morais de integridade cidadã para continuarem a fazer parte desse mesmo Governo.

Um fomento da impunidade no comportamento dos políticos, a começar por aqueles que mais deveriam dar o exemplo. Terrível demais para um país que se quer credível.
Em suma, partidarizou e faccionou um cargo que deveria ser neutro e estar acima de qualquer partido político.
Pior que isto, é aceitar e oficializar a matriz parlamentar do Regime, elegendo o Presidente da República com os votos dos Deputados da Assembleia e lhe retirando o poder de dissolução, transformando-o numa mera figura decorativa que na prática, já é.

Totalmente inaceitável!

Posto isto, o país não possui nenhuma garantia que outro qualquer cidadão – por exemplo um comentador televisivo ou ex-presidente da Comissão Europeia – possa ocupar a presidência e fazer exatamente o mesmo, com todas as nefastas conseqüências que isso traria ao país, à Democracia e às pessoas, estas o fim último de qualquer comunidade política.

Assim sendo, a fim que nunca mais um Governo maioritário tenha poderes absolutos e se sinta impune, proponho a extinção do cargo de Presidente da República e do Conselho de Estado, e sua substituição por um Senado eleito pelos cidadãos, parcialmente de dois em dois anos, com mandatos de quatro anos para cada Senador.

Esse Senado teria os atuais poderes presidenciais e aprovaria suas decisões por maioria simples. As suas reuniões seriam públicas, ao contrário do atual Conselho de Estado.

Ao ser eleito pelos cidadãos, teria a legitimidade para vetar leis, para requerer a fiscalização preventiva das mesmas ao Tribunal Constitucional e até para demitir o Governo e dissolver a Assembleia da República.

Também pode nomear o Primeiro-Ministro, tendo em conta o resultado das legislativas, tal como acontece atualmente.

Metade do Senado seria renovado de dois em dois anos, em eleições pessoais, o que seria o garante da representação da vontade popular atualizada constantemente, e não uma carta assinada em branco, por quatro obscuros anos.

Os Senadores não seriam remunerados, ou a remuneração seria simbólica. Poderíamos pensar em 32 elementos, quatro por cada uma das seis Regiões Administrativas a criar, mais quatro por cada Região Autónoma.

O Senado não teria poderes executivos nem legislativos. Os únicos que teria são só os que atualmente estão atribuídos ao Presidente da República.

Não passa de uma mera proposta, passível de ser melhorada e criticada, mas que fique lançado o debate, que se for feito nos moldes corretos, só enriquecerá e melhorará a nossa Democracia, tão maltratada nos últimos anos por instituições frágeis, políticos impunes e corrompidos, e por cidadãos indiferentes.