Depois da chamada “crise da dívida”, em que os países do sul da Europa foram chamados a resgatar os bancos franceses e alemães, ficou evidente que a solidariedade europeia não passa de um mito; só existe na hora dos PIIGS (Portugal, Italy, Ireland, Greece and Spain) pagarem o preço de pertencer ao clube, sem colher o respectivo benefício.
Ao invés, os países do norte, tal como a Alemanha, a Áustria ou a Holanda,
colhem o benefício sem nunca ter que pagar o preço.
Por exemplo, aquando
da crise dos refugiados em 2015, Merkel quis partilhar essa responsabilidade
com o resto da Europa; mas aquando da crise das dívidas soberanas, Merkel
insistiu que seria cada um por si e prepara-se para fazer o mesmo na ressaca
económica do coronavírus, recusando a emissão de títulos de dívida comum.
A Europa age
unitariamente quando convém, mas fomenta a ação individual e o salve-se quem
puder, quando também convém.
É sabido que o objectivo
supremo da União Europeia não são as pessoas nem o bem-estar comum, antes é a
luta contra os défices e as dívidas públicas dos países do sul, porque em
relação aos do norte assobia para o lado, “parce que c’est la France”, como
disse Jean-Claude Juncker.
É sabido que a
União Europeia dá com uma mão para posteriormente tirar com as duas; a recente
suspensão da obrigação do cumprimento do Pacto de Estabilidade (défice a 3% do
PIB) será posteriormente paga com a austeridade de sempre, sobre os mesmos de
sempre, a fim de poupar os beneficiários do costume – e fazê-los ganhar ainda
mais dinheiro com isso, como vimos no passado recente.
Dizem-nos que os
problemas globais exigem uma resposta global, sob pena de cada Estado, agindo
por si só, ser ineficaz por falta de capacidade, na luta contra as ameaças e
desafios de um mundo demasiado interligado.
Devido ao coronavírus e ao restabelecimento dos controlos fronteiriços por parte da maioria dos estados, o chamado espaço Schengen de livre circulação de pessoas e bens tornou-se moribundo e o prolongamento no tempo desses controlos aduaneiros poderá feri-lo de morte – se é que já não feriu.
Caso a arrogante União Europeia insistir em não querer ser a solução para os gravíssimos problemas económicos originados pela crise do coronavírus, ficará esvaziada da sua razão de existir, pois tornar-se-á evidente que, do ponto de vista dos estados do sul, não servirá para nada, a não ser para pagar um preço económico alto, em forma de eterna austeridade fiscal, sem que com isso se colha o devido benefício.
Pelo contrário, as declarações do ministro holandês das finanças provam que essa mesma união económica e monetária se tornará em mais um problema e obstáculo à recuperação das economias após a epidemia, com a previsível reposição do Pacto de Estabilidade e da sacrossanta regra do défice a 3% do PIB, o que implicará a imposição de políticas de austeridade fiscal que impedirão as economias de recuperar desta hecatombe.
Em tempos de pandemia e do drama humano que isso implica, a insistência em soluções de austeridade, que no passado recente levaram ao sofrimento de tantas pessoas, torna-se num exercício de desumanidade primária.
Depois de ainda
não ter recuperado a sua credibilidade após a chamada crise da dívida, a União
Europeia arrisca não sobreviver se os países do norte da Europa insistirem em
não agir de uma forma solidária e unitária. Teriam essa obrigação, pois são
eles que mais beneficiam da chamada união económica e monetária.
Com este suicídio coletivo
que não vem de agora, a União Europeia será a única responsável pela ascensão
de tudo aquilo que diz querer evitar: Salvini, Le Pen, Abascal, Geert Wilders
ou Ventura, aproveitarão esta oportunidade para mergulhar o continente numa
idade de trevas fascista.