sexta-feira, 27 de março de 2020

Euro-suicídio: o mito da solidariedade europeia




Depois da chamada “crise da dívida”, em que os países do sul da Europa foram chamados a resgatar os bancos franceses e alemães, ficou evidente que a solidariedade europeia não passa de um mito; só existe na hora dos PIIGS (Portugal, Italy, Ireland, Greece and Spain) pagarem o preço de pertencer ao clube, sem colher o respectivo benefício.

Ao invés, os países do norte, tal como a Alemanha, a Áustria ou a Holanda, colhem o benefício sem nunca ter que pagar o preço.

Por exemplo, aquando da crise dos refugiados em 2015, Merkel quis partilhar essa responsabilidade com o resto da Europa; mas aquando da crise das dívidas soberanas, Merkel insistiu que seria cada um por si e prepara-se para fazer o mesmo na ressaca económica do coronavírus, recusando a emissão de títulos de dívida comum.

A Europa age unitariamente quando convém, mas fomenta a ação individual e o salve-se quem puder, quando também convém.

É sabido que o objectivo supremo da União Europeia não são as pessoas nem o bem-estar comum, antes é a luta contra os défices e as dívidas públicas dos países do sul, porque em relação aos do norte assobia para o lado, “parce que c’est la France”, como disse Jean-Claude Juncker.

É sabido que a União Europeia dá com uma mão para posteriormente tirar com as duas; a recente suspensão da obrigação do cumprimento do Pacto de Estabilidade (défice a 3% do PIB) será posteriormente paga com a austeridade de sempre, sobre os mesmos de sempre, a fim de poupar os beneficiários do costume – e fazê-los ganhar ainda mais dinheiro com isso, como vimos no passado recente.

Dizem-nos que os problemas globais exigem uma resposta global, sob pena de cada Estado, agindo por si só, ser ineficaz por falta de capacidade, na luta contra as ameaças e desafios de um mundo demasiado interligado.

Devido ao coronavírus e ao restabelecimento dos controlos fronteiriços por parte da maioria dos estados, o chamado espaço Schengen de livre circulação de pessoas e bens tornou-se moribundo e o prolongamento no tempo desses controlos aduaneiros poderá feri-lo de morte – se é que já não feriu.

Caso a arrogante União Europeia insistir em não querer ser a solução para os gravíssimos problemas económicos originados pela crise do coronavírus, ficará esvaziada da sua razão de existir, pois tornar-se-á evidente que, do ponto de vista dos estados do sul, não servirá para nada, a não ser para pagar um preço económico alto, em forma de eterna austeridade fiscal, sem que com isso se colha o devido benefício.

Pelo contrário, as declarações do ministro holandês das finanças provam que essa mesma união económica e monetária se tornará em mais um problema e obstáculo à recuperação das economias após a epidemia, com a previsível reposição do Pacto de Estabilidade e da sacrossanta regra do défice a 3% do PIB, o que implicará a imposição de políticas de austeridade fiscal que impedirão as economias de recuperar desta hecatombe.

Em tempos de pandemia e do drama humano que isso implica, a insistência em soluções de austeridade, que no passado recente levaram ao sofrimento de tantas pessoas, torna-se num exercício de desumanidade primária.

Depois de ainda não ter recuperado a sua credibilidade após a chamada crise da dívida, a União Europeia arrisca não sobreviver se os países do norte da Europa insistirem em não agir de uma forma solidária e unitária. Teriam essa obrigação, pois são eles que mais beneficiam da chamada união económica e monetária.

Com este suicídio coletivo que não vem de agora, a União Europeia será a única responsável pela ascensão de tudo aquilo que diz querer evitar: Salvini, Le Pen, Abascal, Geert Wilders ou Ventura, aproveitarão esta oportunidade para mergulhar o continente numa idade de trevas fascista.

domingo, 15 de março de 2020

Coronavírus - Medidas Urgentes e Necessárias



Acaso estarão à espera que tenhamos 5000 infecções para tomar medidas a sério contra o vírus?

Será que os interesses de meia-dúzia de operadores turísticos e de outros tantos capatazes ultramontanos se sobrepõem à saúde de todos nós?

Não será preferível que as medidas a tomar se antecipem à propagação da doença, ao invés de ser a doença a se antecipar às medidas do Governo, tal como tem acontecido até agora?

Para quando o Estado de Emergência?

- Recolher obrigatório, só sendo possível sair de casa para trabalhar ou para comprar medicamentos e/ou alimentação;

- Fecho de fronteiras, pois muitos dos que andam por aí a brincar com a saúde alheia são turistas, alguns deles vindos de países onde o vírus já se espalhou de forma generalizada;

- Tropa na rua, pois as pessoas insistem em não mudar o seu comportamento, continuando a viver como se nada estivesse a acontecer, só restando o uso do “hard power” para acabar com o irresponsável “lá-lá-land”;

- Que continuem intocáveis as liberdades de expressão e de opinião, a separação de poderes (executivo, legislativo e judicial) e o respeito pela Constituição e pelo Estado de Direito;

Porquê a tomada de medidas tão drásticas?

Porque mais cedo ou mais tarde, devido à propagação do vírus, essas medidas vão acabar por acontecer – aconteceram na China, em Itália e agora, em Espanha.

Então, é preferível que paremos já o país, enquanto o contágio ainda não assumiu contornos dramáticos, do que quando o mesmo for generalizado, com prejuízos ainda maiores para a saúde pública e para a economia, assunto tão caro a alguns.

Até para os interesses dos capatazes parolos é preferível o país parar já, por duas ou três semanas, que acabar por ter que parar na mesma, mas por mais tempo, arrastando a incerteza e o tempo dessa paragem; e com isso, afundar ainda mais a sacrossanta economia.

O segredo consiste em tomar medidas que estejam um passo à frente da propagação do vírus e não ir a reboque dos acontecimentos, sob pena da situação começar a assumir contornos cada vez mais difíceis de paliar, como temos assistido em Espanha e em Itália.

Quanto maior for o tempo de inacção, pior será para todos nós, em todos os campos.

Por conseguinte, exigem-se medidas drásticas e para ontem, pois o tempo está-se a esgotar!

Para bem de todos. Pela nossa saúde. Pela nossa vida.

segunda-feira, 9 de março de 2020

Coronavírus




A disseminação do coronavírus não só nos fará lamentar os mortos pela doença, como também trará conseqüências terríveis para a civilização ocidental numa ampla e preocupante variedade de aspectos.

Para começar, a desconfiança e o medo em relação a tudo o que é estrangeiro e diferente, potenciando o racismo e a xenofobia, o que será um forte trunfo dos partidos fascistas que sempre propuseram o fecho das fronteiras e o controlo férreo sobre as atividades e as deslocações da população.

Quando os governos se preparam para fazer isso mesmo, não faltarão os que disseram “eu avisei”; resta lembrar os distraídos que eles “avisaram”, não porque previssem um qualquer coronavírus a fim de proteger a população, mas antes devido ao seu ódio a tudo quanto é pele morena e pobre.

A epidemia servirá de justificação para a restrição e inclusive, a supressão de liberdades que nós tínhamos como um dado adquirido, tais como a liberdade de deslocação, do exercício de uma profissão, da expressão de uma opinião e até, do direito a ter uma vida pessoal; é que tudo se tornará susceptível de ser sujeito a escrutínio e motivo de desconfiança uns dos outros, desde um espirro ao esconder de outra coisa qualquer, numa insuportável e mentalmente doente sociedade policial – as epidemias e o pânico que provocam na população têm o poder de ser justificação para quase todos os abusos.

Mas não ficaremos por aqui, porque no final – e a maioria de nós sobreviverá – alguém terá que pagar a conta das enormes conseqüências económicas da epidemia.

E todos sabemos que não serão os banqueiros ou os grandes empresários a pagar. Que “não foram eles os culpados pelo vírus”? A restante população também não, tal como não foi responsável pela crise financeira de 2008 mas pagou-a, como também não foi culpada pela gestão danosa dos bancos e ainda hoje os resgata.

O coronavírus servirá de pretexto para aumentar ainda mais a austeridade sobre as camadas mais pobres da população, em forma de aumento de impostos sobre o trabalho (jamais sobre o capital), no desmantelamento do que resta dos serviços públicos e numa ainda maior desregulação das leis laborais e conseqüente baixa de salários, contribuindo a epidemia, desta forma, para uma ainda maior desigualdade na distribuição da riqueza, como se não bastasse a que já existe.

Por vezes, a política é feita de sorte e de azar; o coronavírus parece ter sido feito à medida dos programas dos partidos da Direita fascista e ultraliberal, o que não augura nada de bom para a política, para a economia e para as sociedades, que ao longo dos próximos anos, pagarão o coronavírus em vidas humanas, mas também em liberdades políticas e pessoais, já para não falar no preço económico cujo ónus recairá nos mesmos de sempre.