quarta-feira, 8 de abril de 2020

O Dia do Austericídio Final




E hoje ficámos a saber que a Holanda se recusa a emitir “eurobonds” e exige que os países que recorram ao fundo de resgate europeu dêem garantias de austeridade fiscal.

Sim, no meio da doença e da morte eles insistem na austeridade!

Tanto em 2011 como agora, ao chegar a hora da verdade, a apregoada “solidariedade europeia” resume-se ao velhinho conceito de “cada um por si”, contrário a tudo o que a União Europeia diz ser.

A mensagem europeia é simples: “primeiro amarramos-te (pertença ao euro, limites de défice e de dívida pública) e agora, depois de amarrado, desenrasca-te sozinho com o coronavírus” – isto é, não só, não ajudam, como ainda se tornam em obstáculo à ação dos estados, como se verá.

Já sabemos que a União Europeia se está a borrifar para os mortos nos países do sul, tal como outrora se esteve a borrifar para os desempregados desses mesmos países, aquando da chamada “crise da dívida” – e não mudaram nada.

Solidariedade em troca de austeridade deixa de o ser; antes é o regresso da troika de má memória, de cujas políticas ainda não nos livrámos, mas nas quais a União Europeia ateima, mesmo depois das terríveis conseqüências que obteve no passado e das circunstâncias únicas dos dias de hoje.

Para a União Europeia não importam as pessoas, principalmente as que tiverem a pele mais morena; o que realmente conta é o défice orçamental e a dívida pública dos membros da zona euro, utilizando instrumentos de chantagem e de terrorismo económico para fazer cumprir esse objetivo, tal como na Grécia de 2015.

Tudo o resto que se lixe, que se dane, que fique no desemprego, que adoeça ou que morra; desde que as contas públicas estejam na ordem o sofrimento humano é-lhes indiferente.

No fundo, os atuais líderes europeus continuar a subscrever de forma não assumida, por saberem que lhes fica mal, insinuações de um passado recente, no sentido de se chamarem de “porcos” aos países do sul (PIIGS – Portugal, Italy, Ireland, Greece and Spain), ou de insinuar que os mesmos “gastam tudo em vinho e em mulheres”.

Países do sul a quem quiseram abrir um processo por défice excessivo (2016); mas estando a França nas mesmas condições, nada foi feito “parce que c’est la France”, nas palavras do então Presidente da Comissão Europeia, numa flagrante dualidade de critérios que feriu de morte a réstia de pretensa igualdade entre os estados, se porventura ainda existisse.

Depois de todas estas atitudes tidas ao longo dos anos, ainda existem dúvidas relativamente ao racismo, não assumido mas mal escondido, dos países do norte em relação aos povos mediterrânicos?

Não esquecer que a construção europeia se baseou em dois pilares: a livre circulação de pessoas e bens, e a união económica e monetária.

Depois do coronavírus ficámos conversados em relação à livre circulação de pessoas, morta e enterrada. Quanto à união económica e monetária, a mesma está adaptada à realidade económica alemã (exportadora), só tendo beneficiado as multinacionais dos países do norte da Europa à custa da asfixia do crescimento económico no continente, nomeadamente nas economias do sul.


Devido à paragem da maioria das atividades, é inevitável a vinda de uma crise económica muito mais severa que a de 2008.

Para sua resolução, ou se emite moeda, provocando inflação, ou se mutualiza a dívida, a fim da União Europeia enfrentar essa mesma crise económica como um só bloco, como uma só entidade.

Devido à existência do Euro é impossível a cada país, por si só, emitir moeda, ficando a restar o endividamento como o único instrumento disponível para fazer face à crise.

Se a União Europeia se recusar a enfrentar esta situação como um todo, se insistir na receita da austeridade e se não der sinais de uma verdadeira união económica e política, demonstrará a sua inutilidade histórica e perderá a sua razão de existir; é que além de não ajudar, ainda se consegue tornar numa dificuldade acrescida para que cada país resolva, por si, a situação grave em que se encontra.

Os partidos fascistas de Salvini, de Le Pen, de Abascal ou de Ventura agradecem o extremismo neoliberal que grassa na Europa, pois fará com que o poder lhes caia nas mãos, mais cedo que tarde, o que será pior a emenda que o soneto.

Ou a lógica neoliberal é erradicada de vez ou a Europa reviverá o pesadelo e os dilemas dos anos que precederam a II Guerra Mundial: ou sofrerá com um Reich alemão que durará mil anos, ou terá pequenos tiranos fascistas instalados em cada um dos estados europeus, conseqüência de cada país ter tentado debelar a crise pelos seus próprios meios, com um custo muito mais dramático para as suas populações.

A alternativa será forçosamente a Europa dos povos, humana, solidária, que centre nas pessoas – e não nos mercados – a sua razão de existir.

Ou essa Europa surge, ou o coronavírus pregará o último prego do caixão, tanto do da União Europeia, como do da liberdade e da democracia no continente, valores dos quais essa própria UE acaba por não comungar, devido à sua loucura pela austeridade orçamental, que num passado recente minou as fundações de uns regimes democráticos que não sobreviverão a outra onda de cortes igual à de 2010-13.