sábado, 29 de dezembro de 2018

Divagações de Ano Novo


O ano de 2018 não ficará marcado por nenhuma notícia ou acontecimento, que de modo isolado, possam ser considerados marcantes ou determinantes do curso da História.

Daqui por cinqüenta ou cem anos, pouco nos lembraremos do ano que agora finda e não o associaremos a nada de específico.

Não obstante, foi 2018 o confirmar e o acentuar de várias tendências que já se vinham verificando desde anos anteriores, nomeadamente, a lenta decadência dos Estados Unidos como superpotência dominante, dando o seu lugar às potências eurasiáticas, a ascensão do Fascismo na Europa e no Brasil, e o agravamento progressivo das conseqüências das alterações climáticas.

Quanto aos Estados Unidos, a sua lenta decadência como superpotência dominante foi iniciada subtilmente, com a invasão do Iraque, em 2003.

Declínio que Trump faz questão em acelerar, com uma política externa sem estratégia, sem fio condutor e sem racionalidade: do progressivo desinteresse pela defesa da Europa, cedendo lugar à Alemanha; à retirada da Síria, cedendo lugar à Rússia; da obsessão com a construção do muro na fronteira mexicana, que ameaça paralisar os próprios Estados Unidos (!!!); ou à inconseqüente cimeira com o líder norte-coreano.

Trump não se move pela lógica ou pelo planeamento, antes por um egoísmo mesquinho, contraproducente e de vistas muito curtas, que prejudica os próprios interesses norte-americanos e o papel dos Estados Unidos no mundo, que já está a ser preenchido por outros atores.

No espaço político e militar deixado vazio pelos Estados Unidos, continuaremos a verificar a ascensão das três potências euroasiáticas no seu continente (mas não fora dele, por incapacidade): a Alemanha a ocidente, a Rússia no meio e a China, a oriente.

No caso alemão, tal como já fazem na política económica e monetária, aproveitarão a estrutura da União Europeia para impor a sua política externa e de defesa; à moeda, em vez de lhe chamarem “Marco”, chamaram-lhe “Euro” e às forças armadas, em vez de lhe chamarem “Wehrmacht”, chamar-lhe-ão “Exército Europeu”, o que será o consumar de um processo que levará à ascensão da Alemanha como potência continental dominante, algo que ambas as guerras mundiais tentaram evitar, em vão.

O único limite ao poder alemão sempre foi e será, a sua manifesta incapacidade de se tornar numa potência global. Isto é, mandarão na Europa, mas não no mundo.

Quanto à Rússia, terá como maior desafio confirmar o seu regresso ao estatuto de ator global, consolidando a transformação do tirano Al-Assad em mera marioneta de Putin, tornando também o dependente Irão numa espécie de seu estado subsidiário (mais um erro de Trump, que ao rasgar o Acordo Nuclear, colocou o Irão na órbita chinesa e russa), correndo definitivamente com norte-americanos, israelitas e sauditas dos assuntos sírios, impondo-se como interveniente no Médio Oriente.

Depois da Crimeia, conquista ainda não consolidada, não será conveniente a Putin “esticar mais a corda” na Europa de Leste, pelo menos, por enquanto. A seu tempo o fará.

O centro do mundo político e económico já se encontra no extremo-oriente e a China já é o seu principal protagonista.

Detentora de biliões em títulos de dívida norte-americanos, vencerá a guerra comercial que lhe impôs Trump, destronando os Estados Unidos, como principal potência económica mundial, mais cedo do que as previsões apontam.

De um ponto de vista geoestratégico, a China continuará inflexível nas questões das ilhas do Mar do Sul da China, de Taiwan e da Coreia, sendo que as duas primeiras serão sempre motivo de tensão e em último caso, da possibilidade de uma guerra entre as potências.

Também continuará a China, a investir discretamente em infraestruturas e matérias-primas, em África e na América Latina, adquirindo uma influência crescente na política doméstica de muitos dos países dessas regiões.

A médio-prazo, o seu crescente poderio militar e a sua influência económica em quase todo o globo, fará da China a única superpotência com capacidade de intervenção global.

Quanto à ascensão do fascismo na Europa e não só, a mesma é confirmada pela eleição de Bolsonaro, pelo lento definhamento do “fenómeno Macron”, cuja tradução visível é o movimento conhecido como “coletes-amarelos” e pela generalização à escala mundial da rejeição e do ódio aos imigrantes e refugiados.

Estes acontecimentos acentuam uma tendência de crescimento da mentalidade e dos partidos fascistas, verificada desde que os partidos convencionais do “centrão” político deixaram de se constituir alternativa credível e os partidos de Esquerda tudo fazem para se integrar nesse mesmo “centrão”, criando nos cidadãos uma sensação de abandono pela classe política.

Esse distanciamento que nos leva a considerar os “políticos todos iguais”, essa percepção de diferença entre “nós e eles”, esse mundo aparte em que os políticos vivem e a partir do qual governam, poderá ter a sua mais grave e perigosa conseqüência, na tomada do poder por movimentos fascistas, já perceptível como uma mera questão de tempo.

Fascistas que jamais se integrarão no sistema da democracia representativa, que consideram responsável por mil males, antes tentarão impor o seu próprio sistema de ódio e de segregação de tudo o que é diferente.

Por último mas não em último, as alterações climáticas, com tudo o que implicam: incêndios florestais cada vez mais dramáticos, subida da água do mar, escassez de alimento e de espaço habitável, extinção de animais…. e nós, Homo Sapiens, continuamos a fazer muito pouco para as mitigar, pois insistimos em manter os interesses económicos de uns poucos, por cima dos interesses de um planeta que se queria de todos.

E enquanto assim for, tudo irá piorar, até deixar de haver planeta. Se não ganhámos juízo até agora, duvido que o façamos sem que um acontecimento cataclísmico nos obrigue a mudar de ideias.

Até lá, a “festa” continuará.