terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Que 2020 teremos?




Num mundo cada vez mais dinâmico e caprichoso, em que tudo muda com a facilidade de um “click”, fazer previsões sobre o dia seguinte torna-se num ato de coragem, pelo elevado risco de falibilidade.

Nunca sabemos se a qualquer momento, ao ligar a internet ou ao colocar o televisor num canal de notícias, aparece o já célebre chavão de “última hora” ou “breaking news”, sempre susceptível de fazer desabar um mundo e de erguer outro.

Todas as previsões, palpites, adivinhações ou lá o que lhes quiserem chamar, por muito racionais que pretendam ser, serão sempre baseadas nos dados disponíveis no momento em que são feitas, algo que poderá mudar totalmente no segundo seguinte.

Após o resultado das últimas eleições britânicas, o “brexit” tornou-se irreversível, apesar de continuarmos sem saber em que moldes se consumará; o elemento novo é a confirmação nas urnas da vontade de sair dos britânicos e a legitimação, nessas mesmas urnas, da possibilidade de uma saída à bruta que não beneficiará ninguém, a começar por quem votou nos Tories de Johnson.

Serão os moldes como esse “brexit” se consumará a determinar se em 2020 assistiremos ao início da desagregação do Reino Unido, com Edimburgo a trocar a suserania de Londres pela de Berlim e com um possível recrudescer do conflito na Irlanda do Norte, em que a maioria protestante terá muito poucos argumentos para continuar presa a uma Inglaterra que lhe imporá cada vez maiores entraves comerciais.

Quanto à União Europeia e ao Euro, continuarão ambos dependentes do impasse em que se tornou a política interna alemã, com uma Chanceler politicamente fraca e a prazo, mas que ninguém deseja ver sair, sob pena de uma ingovernabilidade interna, de cujo caos poderão sair vitoriosos partidos nazis de má memória para a Alemanha e para o mundo.

Aproveita Macron a momentânea fraqueza alemã para impor a França como potência dominante na Europa, algo que será passageiro e que só durará até ao surgimento de uma nova liderança política forte do outro lado do Reno, qualquer que ela seja, o que pulverizará a França do lugar cimeiro na Europa, subalternizando-a de novo aos interesses prussianos.

Quanto aos Estados Unidos de Trump, o mesmo sobreviverá ao processo de destituição num exercício de vitimização que o poderá catapultar para a reeleição em Novembro.

Tenderá depois disso a uma política externa ainda mais agressiva, a fim de unir o país em torno de si, o que poderá levar os Estados Unidos a uma nova guerra, desta vez, na Venezuela, alvo militarmente mais fácil e em conformidade com a doutrina Monroe, e de conseqüências internacionais menores que um ataque ao Irão, pois antes de agredir militarmente a Venezuela, os Estados Unidos já cumpriram o objetivo de colocar nos restantes países sul-americanos governos fiéis e dóceis, isolando política e militarmente o regime de Maduro.

À excepção da América Latina, a perda de influência dos Estados Unidos no mundo acentuar-se-á e a sua decadência coincidirá com uma ascensão da China, que não mais permitirá intervenções norte-americanas na Coreia ou até em Taiwan, questão também por resolver e cuja possibilidade de se tornar num “casus belli” entre ambas as potências é ainda maior que o regime de Kil-Jong-Un.

A crescente fraqueza americana também será aproveitada pela Rússia de Putin, que consolidará a sua posição no Médio Oriente através do governo fantoche sírio de Al-Assad, por si patrocinado e através do Irão, necessitado de um aliado forte para se contrapor a Israel e a Arábia Saudita.

Também na Europa Putin beneficiará da detonação da NATO feita por Trump (erro que, na prática, tira os Estados Unidos da Europa e da sua defesa) e da momentânea fraqueza alemã (impasse na constituição do exército europeu) para se consolidar em alguns países do antigo bloco de leste, recuperando algum (mas não todo) do poder da antiga URSS.

Quanto ao Médio Oriente, assistiremos a uma cristalização da luta entre um Irão chiita apoiado pela Rússia e uma Arábia Saudita sunita apoiada pelos Estados Unidos, com o intocável Israel a interferir na política interna norte-americana em seu proveito, a fim de consolidar a sua ilegal e odiosa anexação de territórios palestinos, ao mesmo tempo que continua a ser a única potência nuclear da zona.

O vazio de poder deixado após as desastrosas intervenções militares ocidentais no Afeganistão, no Iraque, na Síria e na Líbia continuará a originar o surgimento de proto-estados terroristas (Estado Islâmico), cujo fanatismo continuará a ameaçar o dito ocidente com atentados terroristas, sendo que a Líbia tornar-se-á num novo viveiro de fanáticos, às portas da Europa. Muito preocupante.

Quanto à Economia, as (por alguns) desejadas nuvens negras começam a perfilar-se no horizonte, a fim de servirem de justificação a novas medidas de austeridade em cima da classe média, cuja conseqüência será a caída desta nos braços dos partidos fascistas e nazis que vão surgindo, correndo o risco de mergulhar o mundo numa noite negra e longa de fascismo.

Já sabem: os liberais tomam as medidas de austeridade a fim de auxiliar a banca e de lhe paliar os abusos, mas a “culpa” será sempre dos imigrantes, dos ciganos, dos gays e dos refugiados. Burro de quem acredita neste discurso. Sem mais delongas neste assunto.

Finalmente, quanto a Portugal… sabemos não estar a oposição em condições de disputar eleições tão depressa, o que fará com que o nível de tolerância da mesma em relação aos orçamentos de Estado do Centeno seja enorme.

Mas também sabemos da tentação do PS em tentar uma maioria absoluta ao primeiro tropeção da oposição em matéria de viabilização do orçamento; nesta situação, Costa não só tentará a maioria, como terá o argumento perfeito para se desembaraçar de Centeno…

Um jogo do “gato e do rato” que não augura nada de bom, nomeadamente com o surgimento meteórico de um partido fascista, que se lhe continuarem a inflacionar a influência que atualmente tem, a breve prazo, adquirirá capacidade para ditar as suas regras no jogo político lusitano.

Muito preocupante. Que fique o aviso.

Uma última palavra para as alterações climáticas: os países ricos e as classes abastadas continuarão a poluir e a lucrar com isso, enquanto os países pobres e as classes desfavorecidas continuarão a levar com as piores conseqüências.

Mesmo em caso de cataclismo climático essa situação não se alterará, pois confesso que a minha fé no ser humano já foi maior.

Um Feliz Ano Novo para todos, se puderem.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

A vitória do "brexit" a todo o custo



Goste-se ou não, Boris Johnson e o seu “brexit” a todo o preço, foram os vencedores incontestáveis das eleições britânicas, ficando os deputados “tories”, agora eleitos e vitoriosos, sem condições políticas para continuar a arrastar a questão da saída da União Europeia para as calendas, como têm feito até agora.


É que ao contrário das últimas eleições – Junho de 2017 – em que o eleitorado pareceu recuar na opção pelo “brexit”, a escolha de ontem é inequívoca pela saída do Reino Unido da União Europeia, tanto em Inglaterra como no País de Gales.

O Partido Conservador, sob a liderança de Boris Johnson e sob o signo do “brexit”, recupera a maioria absoluta perdida em 2017, assumindo a responsabilidade de levar a bom termo essa mesma saída da União Europeia, que parece ter-se tornado irreversível com a votação de ontem, ficando somente por saber como e quando a mesma acontecerá.

Não obstante, após falharem estrondosamente na tentativa de reversão do referendo que ditou o “brexit”, o preço que Berlim e Bruxelas se preparam para cobrar pela ousadia da saída será o mais alto possível, a fim de desencorajar futuros “exits”, mesmo que isso provoque uma recessão económica na Europa, o que faz adivinhar um arrastamento das negociações até níveis ridículos e surreais, não sendo de excluir uma saída sem acordo, prejudicial para todas as partes envolvidas.

A acontecer, essa saída desordenada estará politicamente coberta pelas eleições de ontem, pois os eleitores britânicos, ao votarem pelo “brexit” de Johnson, também terão que assumir as suas responsabilidades pelas conseqüências de um não acordo.

Venceu a demagogia e o populismo de Johnson e venceu a xenofobia, motores desse mesmo “brexit”, o que constitui mais um sintoma do avanço da extrema-direita europeia, com todos os perigos que isso acarreta para a sobrevivência da Democracia e pelo respeito e tolerância por tudo o que seja diferente dos padrões sociais maioritários, começando na cor da pele e terminando na orientação sexual.

Os trabalhistas de Corbyn, foram castigados pelo modo ambíguo e indefinido com que trataram a questão do “brexit”, pois nunca chegámos a saber o que o Labour faria para resolver a questão, caso fosse governo; provavelmente, nem eles próprios saberiam.

Mas o mais grave foi o facto de os eleitores britânicos terem rejeitado os programas económicos e sociais de cariz social-democrata propostos por Corbyn, em mais um sintoma da viragem socialmente conservadora e economicamente ultraliberal que vive a Europa, antecâmara de soluções de governação fascizantes e autoritárias, que não auguram nada de bom para a justiça e coesão sociais.

Com a queda interna de Corbyn, ganhará força no Partido Trabalhista a corrente inspirada no “new labour” de Tony Blair, que em nada difere dos seus rivais conservadores, tanto na economia como no social; o que significa que teremos um Labour que deixará de ser alternativa aos desvairos ultraliberais dos “tories” de Johnson, inspirados em Thatcher.

Foram derrotados todos os que advogaram pela permanência do Reino Unido, a começar pelos Liberais-Democratas, que vêm a sua presença em Westminster reduzida à insignificância.

Uma última palavra para a Escócia, que ao rejeitar a saída da União Europeia em 2016, e ao votar esmagadoramente pelo SNP, poderá estar a maturar um sentimento de independência com condições de se concretizar, caso esse mesmo “brexit” se realize sem acordo e/ou com conseqüências na economia e na vida real de uns escoceses que poderão cair na tentação de trocar a tutela de Londres pela de Berlim.

Será interessante ver a União Europeia apoiar a independência da Escócia, comparando com o que essa mesma União Europeia fez com a Catalunha, num exercício de hipocrisia política primária, usando dois pesos e duas medidas.

As eleições de ontem marcam uma viragem à direita do eleitorado britânico, dando um apoio inequívoco ao “brexit” de Johnson e castigando severamente a ambigüidade dos trabalhistas em relação a essa mesma questão.

Que os britânicos não se arrependam da votação se ontem, pois poderão ter aberto uma “caixa de Pandora”, não só em relação às conseqüências sua saída da União Europeia, como também quanto à continuidade da existência do Reino Unido, tal como o conhecemos.