terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Que 2020 teremos?




Num mundo cada vez mais dinâmico e caprichoso, em que tudo muda com a facilidade de um “click”, fazer previsões sobre o dia seguinte torna-se num ato de coragem, pelo elevado risco de falibilidade.

Nunca sabemos se a qualquer momento, ao ligar a internet ou ao colocar o televisor num canal de notícias, aparece o já célebre chavão de “última hora” ou “breaking news”, sempre susceptível de fazer desabar um mundo e de erguer outro.

Todas as previsões, palpites, adivinhações ou lá o que lhes quiserem chamar, por muito racionais que pretendam ser, serão sempre baseadas nos dados disponíveis no momento em que são feitas, algo que poderá mudar totalmente no segundo seguinte.

Após o resultado das últimas eleições britânicas, o “brexit” tornou-se irreversível, apesar de continuarmos sem saber em que moldes se consumará; o elemento novo é a confirmação nas urnas da vontade de sair dos britânicos e a legitimação, nessas mesmas urnas, da possibilidade de uma saída à bruta que não beneficiará ninguém, a começar por quem votou nos Tories de Johnson.

Serão os moldes como esse “brexit” se consumará a determinar se em 2020 assistiremos ao início da desagregação do Reino Unido, com Edimburgo a trocar a suserania de Londres pela de Berlim e com um possível recrudescer do conflito na Irlanda do Norte, em que a maioria protestante terá muito poucos argumentos para continuar presa a uma Inglaterra que lhe imporá cada vez maiores entraves comerciais.

Quanto à União Europeia e ao Euro, continuarão ambos dependentes do impasse em que se tornou a política interna alemã, com uma Chanceler politicamente fraca e a prazo, mas que ninguém deseja ver sair, sob pena de uma ingovernabilidade interna, de cujo caos poderão sair vitoriosos partidos nazis de má memória para a Alemanha e para o mundo.

Aproveita Macron a momentânea fraqueza alemã para impor a França como potência dominante na Europa, algo que será passageiro e que só durará até ao surgimento de uma nova liderança política forte do outro lado do Reno, qualquer que ela seja, o que pulverizará a França do lugar cimeiro na Europa, subalternizando-a de novo aos interesses prussianos.

Quanto aos Estados Unidos de Trump, o mesmo sobreviverá ao processo de destituição num exercício de vitimização que o poderá catapultar para a reeleição em Novembro.

Tenderá depois disso a uma política externa ainda mais agressiva, a fim de unir o país em torno de si, o que poderá levar os Estados Unidos a uma nova guerra, desta vez, na Venezuela, alvo militarmente mais fácil e em conformidade com a doutrina Monroe, e de conseqüências internacionais menores que um ataque ao Irão, pois antes de agredir militarmente a Venezuela, os Estados Unidos já cumpriram o objetivo de colocar nos restantes países sul-americanos governos fiéis e dóceis, isolando política e militarmente o regime de Maduro.

À excepção da América Latina, a perda de influência dos Estados Unidos no mundo acentuar-se-á e a sua decadência coincidirá com uma ascensão da China, que não mais permitirá intervenções norte-americanas na Coreia ou até em Taiwan, questão também por resolver e cuja possibilidade de se tornar num “casus belli” entre ambas as potências é ainda maior que o regime de Kil-Jong-Un.

A crescente fraqueza americana também será aproveitada pela Rússia de Putin, que consolidará a sua posição no Médio Oriente através do governo fantoche sírio de Al-Assad, por si patrocinado e através do Irão, necessitado de um aliado forte para se contrapor a Israel e a Arábia Saudita.

Também na Europa Putin beneficiará da detonação da NATO feita por Trump (erro que, na prática, tira os Estados Unidos da Europa e da sua defesa) e da momentânea fraqueza alemã (impasse na constituição do exército europeu) para se consolidar em alguns países do antigo bloco de leste, recuperando algum (mas não todo) do poder da antiga URSS.

Quanto ao Médio Oriente, assistiremos a uma cristalização da luta entre um Irão chiita apoiado pela Rússia e uma Arábia Saudita sunita apoiada pelos Estados Unidos, com o intocável Israel a interferir na política interna norte-americana em seu proveito, a fim de consolidar a sua ilegal e odiosa anexação de territórios palestinos, ao mesmo tempo que continua a ser a única potência nuclear da zona.

O vazio de poder deixado após as desastrosas intervenções militares ocidentais no Afeganistão, no Iraque, na Síria e na Líbia continuará a originar o surgimento de proto-estados terroristas (Estado Islâmico), cujo fanatismo continuará a ameaçar o dito ocidente com atentados terroristas, sendo que a Líbia tornar-se-á num novo viveiro de fanáticos, às portas da Europa. Muito preocupante.

Quanto à Economia, as (por alguns) desejadas nuvens negras começam a perfilar-se no horizonte, a fim de servirem de justificação a novas medidas de austeridade em cima da classe média, cuja conseqüência será a caída desta nos braços dos partidos fascistas e nazis que vão surgindo, correndo o risco de mergulhar o mundo numa noite negra e longa de fascismo.

Já sabem: os liberais tomam as medidas de austeridade a fim de auxiliar a banca e de lhe paliar os abusos, mas a “culpa” será sempre dos imigrantes, dos ciganos, dos gays e dos refugiados. Burro de quem acredita neste discurso. Sem mais delongas neste assunto.

Finalmente, quanto a Portugal… sabemos não estar a oposição em condições de disputar eleições tão depressa, o que fará com que o nível de tolerância da mesma em relação aos orçamentos de Estado do Centeno seja enorme.

Mas também sabemos da tentação do PS em tentar uma maioria absoluta ao primeiro tropeção da oposição em matéria de viabilização do orçamento; nesta situação, Costa não só tentará a maioria, como terá o argumento perfeito para se desembaraçar de Centeno…

Um jogo do “gato e do rato” que não augura nada de bom, nomeadamente com o surgimento meteórico de um partido fascista, que se lhe continuarem a inflacionar a influência que atualmente tem, a breve prazo, adquirirá capacidade para ditar as suas regras no jogo político lusitano.

Muito preocupante. Que fique o aviso.

Uma última palavra para as alterações climáticas: os países ricos e as classes abastadas continuarão a poluir e a lucrar com isso, enquanto os países pobres e as classes desfavorecidas continuarão a levar com as piores conseqüências.

Mesmo em caso de cataclismo climático essa situação não se alterará, pois confesso que a minha fé no ser humano já foi maior.

Um Feliz Ano Novo para todos, se puderem.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

A vitória do "brexit" a todo o custo



Goste-se ou não, Boris Johnson e o seu “brexit” a todo o preço, foram os vencedores incontestáveis das eleições britânicas, ficando os deputados “tories”, agora eleitos e vitoriosos, sem condições políticas para continuar a arrastar a questão da saída da União Europeia para as calendas, como têm feito até agora.


É que ao contrário das últimas eleições – Junho de 2017 – em que o eleitorado pareceu recuar na opção pelo “brexit”, a escolha de ontem é inequívoca pela saída do Reino Unido da União Europeia, tanto em Inglaterra como no País de Gales.

O Partido Conservador, sob a liderança de Boris Johnson e sob o signo do “brexit”, recupera a maioria absoluta perdida em 2017, assumindo a responsabilidade de levar a bom termo essa mesma saída da União Europeia, que parece ter-se tornado irreversível com a votação de ontem, ficando somente por saber como e quando a mesma acontecerá.

Não obstante, após falharem estrondosamente na tentativa de reversão do referendo que ditou o “brexit”, o preço que Berlim e Bruxelas se preparam para cobrar pela ousadia da saída será o mais alto possível, a fim de desencorajar futuros “exits”, mesmo que isso provoque uma recessão económica na Europa, o que faz adivinhar um arrastamento das negociações até níveis ridículos e surreais, não sendo de excluir uma saída sem acordo, prejudicial para todas as partes envolvidas.

A acontecer, essa saída desordenada estará politicamente coberta pelas eleições de ontem, pois os eleitores britânicos, ao votarem pelo “brexit” de Johnson, também terão que assumir as suas responsabilidades pelas conseqüências de um não acordo.

Venceu a demagogia e o populismo de Johnson e venceu a xenofobia, motores desse mesmo “brexit”, o que constitui mais um sintoma do avanço da extrema-direita europeia, com todos os perigos que isso acarreta para a sobrevivência da Democracia e pelo respeito e tolerância por tudo o que seja diferente dos padrões sociais maioritários, começando na cor da pele e terminando na orientação sexual.

Os trabalhistas de Corbyn, foram castigados pelo modo ambíguo e indefinido com que trataram a questão do “brexit”, pois nunca chegámos a saber o que o Labour faria para resolver a questão, caso fosse governo; provavelmente, nem eles próprios saberiam.

Mas o mais grave foi o facto de os eleitores britânicos terem rejeitado os programas económicos e sociais de cariz social-democrata propostos por Corbyn, em mais um sintoma da viragem socialmente conservadora e economicamente ultraliberal que vive a Europa, antecâmara de soluções de governação fascizantes e autoritárias, que não auguram nada de bom para a justiça e coesão sociais.

Com a queda interna de Corbyn, ganhará força no Partido Trabalhista a corrente inspirada no “new labour” de Tony Blair, que em nada difere dos seus rivais conservadores, tanto na economia como no social; o que significa que teremos um Labour que deixará de ser alternativa aos desvairos ultraliberais dos “tories” de Johnson, inspirados em Thatcher.

Foram derrotados todos os que advogaram pela permanência do Reino Unido, a começar pelos Liberais-Democratas, que vêm a sua presença em Westminster reduzida à insignificância.

Uma última palavra para a Escócia, que ao rejeitar a saída da União Europeia em 2016, e ao votar esmagadoramente pelo SNP, poderá estar a maturar um sentimento de independência com condições de se concretizar, caso esse mesmo “brexit” se realize sem acordo e/ou com conseqüências na economia e na vida real de uns escoceses que poderão cair na tentação de trocar a tutela de Londres pela de Berlim.

Será interessante ver a União Europeia apoiar a independência da Escócia, comparando com o que essa mesma União Europeia fez com a Catalunha, num exercício de hipocrisia política primária, usando dois pesos e duas medidas.

As eleições de ontem marcam uma viragem à direita do eleitorado britânico, dando um apoio inequívoco ao “brexit” de Johnson e castigando severamente a ambigüidade dos trabalhistas em relação a essa mesma questão.

Que os britânicos não se arrependam da votação se ontem, pois poderão ter aberto uma “caixa de Pandora”, não só em relação às conseqüências sua saída da União Europeia, como também quanto à continuidade da existência do Reino Unido, tal como o conhecemos.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Chega de Fascismo




“Chega”, terceira pessoa do singular no presente do indicativo do verbo “chegar”, no sentido de que basta, já é demasiado, não queremos mais; provavelmente, nem sequer deveria ter existido.

O ressurgimento de movimentos fascistas tornou-se numa triste realidade, irrefutável em toda a Europa, para infelicidade e desgraça de todos nós.

Negar ou desvalorizar esse reaparecimento torna-se num ato de cumplicidade, favorável a todos os que pretendem mergulhar o continente numa longa noite de trevas.

É imperioso lembrar que os movimentos fascistas atuais possuem todas as características do fascismo clássico dos anos trinta do século XX, apesar de muitos deles ainda não assumirem alguns desses traços.

Os partidos fascistas dizem ser anti-ideológicos, isto é, afirmam não ter ideologia, a fim de se colocarem a si próprios acima dos restantes partidos, nomeadamente dos marxistas e dos liberais; o que é totalmente falso, pois o fascismo tem uma ideologia.

Os fascistas defendem um estado forte e totalitário de partido único, suprimindo toda e qualquer oposição, não deixando espaço para a Democracia, que desprezam, ou para o parlamentarismo, que culpam por muitos dos males do mundo; preferindo antes um Duce ou um Führer com plenos poderes, sem nada que limite e controle a governação.

Lembrem-se disto, quando certos partidos fascistas proporem a redução do número de deputados ou soluções presidencialistas, pois mais não estão que a retirar poderes e importância ao parlamento, para os atribuir a um governo presidencialista forte.

O fascismo possui uma fortíssima componente nacionalista, intransigente na defesa da pureza e da suposta superioridade da raça e da cultura nacionais, não tolerando tudo o que é diferente. Sim, são racistas.

Os fascistas negam o conceito marxista da luta de classes, como se um patrão milionário vivesse no mesmo mundo e tivesse os mesmos interesses que um trabalhador humilde, substituindo-o pelo conceito do “interesse nacional”, sob a capa do qual defendem os interesses das elites, perpetuando-lhes o poder e vedando a mobilidade social à restante população.

Normalmente, são essas mesmas elites que favorecem a tomada do poder pela parte dos movimentos fascistas, nomeadamente quando os partidos da chamada democracia parlamentar, de ideologia liberal e burguesa, deixam de ter capacidade para lhes defender os interesses.

Isto é, para os empresários, patrões e capatazes, não interessa que o regime seja democrático ou não, desde que lhes defenda os privilégios; somente acenam com a superioridade moral da Democracia se isso lhes for conveniente e jamais por convicção ideológica ou escala de valores.

Pelo menos até agora, os movimentos fascistas não possuíam uma das componentes que mais os caracterizou, nos anos trinta do século XX: a posse de uma milícia armada, de inspiração paramilitar, que dominasse as ruas, espalhando a coação, o terror e violência em cima de todos os adversários do partido fascista, tal como fizeram as SS ou as SA (até 1934) na Alemanha nazi, ou os Camisas Negras na Itália de Mussolini.

Por isso mesmo, é com preocupação que assistimos à infiltração de movimentos fascistas nas forças militarizadas, possível embrião de uma espécie de tropa de choque, ao serviço da mais infame das causas.

Não é especulação nem alarmismo; é antes constatar que todos os movimentos acima descritos surgem quase sempre a partir do “zero”, evoluindo posteriormente para organizações ao serviço da ideologia fascista, que quando se tornam um perigo evidente, será sempre demasiado tarde para as travar.

Que a História não se repita, apesar da evidência de que neste século XXI, continuamos a repetir os mesmos erros de há oitenta anos atrás: um capitalismo selvagem que não olha a nada nem a ninguém, aliado à desvalorização geral dos sinais de perigo vindos da extrema-direita.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Golpe de Estado




Vivemos no hipócrita mundo dos eufemismos, em que todos sabemos o que aconteceu, mas ninguém se atreve a chamar as coisas pelos nomes, a fim de não reconhecer publicamente a sua cumplicidade, seja a mesma ativa ou silenciosa.

Sejamos honestos e diretos: se os chefes militares “sugerem” a renúncia de um Presidente em funções, estamos na presença, não de uma moção de censura ou processo de destituição, mas de um Golpe de Estado.

Após a “sugestão” dos generais, Morales iria sair a bem ou a mal, não nos desenganemos.

Ao demitir-se, evitou um banho de sangue e terá salvo a sua própria vida, provando ter sentido de Estado até ao fim.

Acontecesse isto noutras circunstâncias ou com outros presidentes, zelosas e democráticas vozes não se calariam, exigindo a “reposição da legalidade democrática e constitucional”, acenando com sanções políticas e económicas, podendo haver quem chegasse ao ponto de ameaçar com saraivadas de mísseis. Sabemos quem ele é.

Mas como é um Presidente de Esquerda que se vai, num dos principais países exportadores de gás, preferimos calar e assobiar para o lado, fingindo que não aconteceu.

O poder económico e os seus lobbies com influência comprovada na condução da política externa dos estados mais poderosos, tem perfeita consciência que estamos em 2019 e que bombardear La Moneda será sempre a última das soluções; porque sabem que lhes fica mal, que não é politicamente correto e que é feio os telejornais abrirem com isso.

O que não significa que os presidentes que governem fora dos tentáculos do polvo económico mundial não possam ser destituídos para interesse dessa mesma fera, de preferência sob o verniz da legalidade, tal como aconteceu com Fernando Lugo no Paraguai (2012) ou com Dilma Rousseff no Brasil (2016).

Somente caso essa legalidade cosmética não seja possível, se recorrem a outros meios, tal como já aconteceu com Zelaya nas Honduras (2009) e agora, com Morales (2019); comprovando que em último recurso, os militares continuam tendo a última palavra na resolução das crises políticas internas dos países da América Latina, sem que o chamado “mundo livre” se incomode com isso.

E não se incomoda, porque sabe que é dessa forma que os interesses das suas multinacionais ficarão assegurados, em prejuízo das populações autóctones, num exercício de hipocrisia primária.

Os acontecimentos na Bolívia comprovam que, devido à riqueza em matérias-primas e em recursos naturais, transformada em maldição, as multinacionais ocidentais continuam a interferir na política doméstica dos países latino-americanos, recorrendo a todos os meios para fazer valer os seus interesses.

E se não lhes for possível fazer legalmente, fazem-no de qualquer das formas, descaradamente ou às escuras.

Fica a restar a Venezuela, que apesar de não ser um exemplo de Democracia, fica agora isolada politicamente no ambiente sul-americano, debilidade que a tornará no próximo alvo.

A Direita pula e avança, numa América Latina que se quer de povos e para os povos, para que se cumpra.

Vale tudo, irá valer tudo.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Perigosa Indefinição



É comum pensar-se que as são as eleições que clarificam a situação política de um país, pois expressam a verdadeira vontade do eleitorado no sentido da futura governação.

A excepção foram as eleições de ontem, que em vez de clarificarem, só lançaram ainda mais confusão sobre a situação política espanhola, além de confirmarem o crescimento do monstro fascista.

Esse crescimento poderá ser ainda mais alimentado pela indefinição a que a Espanha ficou ainda mais sujeita, não sendo possível identificar nenhuma outra solução de Governo, que não seja o de uma coligação PSOE-PP, partidos com mais semelhanças que diferenças.

Todas as outras possibilidades implicariam um entendimento entre vários partidos demasiado diferentes entre si, em coligações muito heterogéneas para sequer, ser possível pensar na sua viabilidade.

O PSOE tem uma vitória amarga, pois perde votos e deputados, não tendo Pedro Sánchez nenhuma solução de Governo que lhe agrade, nem sequer uma “geringonça” em versão espanhola, por insuficiência de votos dos possíveis parceiros. Diz-nos a experiência que, em política, as meias vitórias facilmente se transformam em derrotas definitivas.

Apesar de ter tido uma subida de votos e de mandatos em relação a Abril, é incontornável que o PP de Casado perde as eleições, mais uma vez; não cumprindo os objetivos a que se propôs, está condenado ao dilema de, ou se tornar na “muleta” de um futuro Governo do PSOE, sofrendo as conseqüências políticas do mesmo, ou de ficar com o ónus de lançar o país num caos político e institucional, de possíveis implicações dramáticas para a Espanha.

O Podemos e o Ciudadanos foram castigados, não só devido ao ego mesquinho dos seus respectivos líderes, como acima de tudo, por se terem rendido ao sistema que em tempos, diziam combater. Em suma, a longo prazo, ambos foram projetos que nada trouxeram de novo à política espanhola ou europeia, não passando de “mais uns”, iguais aos que já lá estavam.

Com projetos ocos e sem soluções que fossem ao encontro dos verdadeiros problemas da sociedade espanhola, tais como o desemprego, a precariedade laboral e a desigualdade de oportunidades e de distribuição da riqueza, os partidos tradicionais possibilitaram o enorme crescimento do Vox, partido de inspiração fascista e franquista, fomentador do ódio, da intolerância e do racismo, que só será frenado com uma verdadeira mudança política e económica, não ao nível da Espanha, mas ao nível europeu, pois o fenómeno do ressurgimento do fascismo é sentido em toda a Europa.

Não esquecer que estes partidos fascistas têm em todos os excluídos e prejudicados pelas políticas neoliberais o seu filão de votantes, sem que a Esquerda europeia tenha vontade política de colocar em causa esse mesmo neoliberalismo económico.

E enquanto isso não acontecer, nuvens muito negras se perfilam no horizonte, tanto espanhol como europeu, sendo real a possibilidade de uma longa e dolorosa noite fascista.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Os ossos do sátrapa




Neste dia da exumação do cadáver do ditador Francisco Franco, ao abrir a janela pela manhã, bem que me veio um fedor nauseabundo contaminador do ar, dos espíritos e das nações; o odor a prisão, a tortura, a sofrimento, a trevas e a morte.

Veio o vírus do Fascismo, cujo veneno corrói as liberdades e os povos, sendo que, por conseguinte, é urgente vacinar contra ele as consciências, sob pena de destruir tudo em seu redor.

Veio-me à lembrança o cheiro dos quinhentos mil mortos (estimativa por baixo) na Guerra Civil de Espanha, conflito cuja inteira responsabilidade se atribui a Franco, a Hitler, a Mussolini e a Salazar, que conspurcou o nome de Portugal, alinhando o país com o nazismo alemão e o fascismo italiano, ao ajudar a derrubar um governo republicano democraticamente eleito, para no seu lugar impor uma sangüinária ditadura católico-fascista.

Também me veio o cheiro e o grito dos trezentos e ciqüenta mil mortos da repressão franquista, vítimas do pelotão de fuzilamento ou do infame garrote, executados barbaramente e a frio, só pelo simples facto de pensarem de modo diferente e por lutarem contra a tirania do "caudillo", uma das mais hediondas do século XX.

Como se não bastasse o genocídio do seu próprio povo, por duas vezes o "generalíssimo" equacionou invadir militarmente Portugal, tanto em 1940 como em 1975, em nome da "unidad de España" que ainda hoje é imposta na Catalunha e que continua sendo defendida por muitos portugueses, na senda de Miguel de Vasconcelos.

A morte de Francisco Franco só se lamenta por ter acontecido tardiamente e na cama, rodeado de todos os cuidados, sem que nunca tivesse pago pelos seus crimes e sem que o seu veneno ideológico e político fosse erradicado da Península Ibérica e do Mundo, em nome da Democracia, da República e da liberdade dos povos.

Deveria Franco ter voado mais alto que Carrero Blanco, pois contra a opressão e o genocídio bárbaro, todas as formas de luta são válidas e legítimas, em nome de uma Ibéria republicana, democrática e de povos livres, não subjugados a Castela, à Igreja ou ao fascismo.

Que se reguem com ácido sulfúrico, tanto o cadáver como as ideias que preconiza, para que desapareçam para sempre!

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Ressaca Eleitoral




No rescaldo da noite eleitoral, é possível concluir que nenhum dos chamados grandes partidos cumpriu os objetivos a que se propôs.

O PS foi para as eleições sem assumir que queria governar com maioria absoluta, apesar de todos termos percebido que era esse o objetivo principal, algo que não atingiu.

As recordações de Sócrates, das suas atividades pouco claras e da sua austeridade, contribuíram para o eleitorado desconfiar ainda não se ter reconciliado totalmente com o PS.

Tudo indica que governará ao ziguezague, usando este ou aquele parceiro para aprovar esta ou aquela matéria.

O PSD sofreu a pior derrota da sua história, o que o levará a reconfigurar o seu discurso e até a sua ideologia, podendo resvalar para um populismo de direita fascizante e salazarenta, algo que pega no Portugal profundo, onde esse mesmo PSD tem a maioria do seu potencial eleitorado.

O BE não beneficiou com a “geringonça”. Apesar de ter consolidado a sua posição como terceira força política, mal conseguiu manter o número de deputados que já tinha, tendo baixado o seu número de votos, com destaque para a perca de um deputado em Lisboa.

Já em 2015 o PCP foi incapaz de traduzir em votos a austeridade do Governo de Direita, um sinal que a direcção do partido teimou em ignorar, preferindo vir agora dizer que “a culpa foi da geringonça”, escondendo o facto de que à medida que a geração de Abril desaparece fisicamente pela lei da vida, o PCP não está a ser capaz de renovar, nem o discurso nem o eleitorado. Ultrapassado pela História, é de temer o pior, o que não é bom para a Democracia em Portugal.

O CDS sempre padeceu do mal de não ter bases, o que torna o seu eleitorado demasiado volátil. Sem Paulo Portas, sem projeto, sem ideias, sem coerência e atirando demagogia para o ar ao sabor do vento; está condenado a deixar de ter razão de ser e a ver o seu espaço político ocupado, quer por PSD, quer pela extrema-direita.

As alterações climáticas, as extinções em massa e a ecologia ocupam um lugar cada vez mais importante e determinante na vida das pessoas. Bem ou mal, o PAN tenta focar-se em problemas que afectarão cada vez mais o nosso quotidiano, tendo tido eco no eleitorado.

É preocupante a chegada do Fascismo ao Parlamento. Que a mesma seja passageira e irrelevante, sob pena de degradação da nossa Democracia. Que seja votado ao desprezo que merece, mas ao mesmo tempo, ser tido em atenção, a fim de ser combatido por todos os meios.

Para terminar, existem duas conclusões a tirar destas eleições:

- Diz-nos a experiência passada que os governos em “ziguezague” estão condenados a não durar os quatro anos, seja porque a oposição sente ter condições para tomar ela própria o poder; seja porque o próprio Governo provoca eleições, para tentar a maioria absoluta. Desta vez, não será diferente.

- É possível que estejamos a assistir a uma reconfiguração do sistema político-partidário português, com o BE a tornar-se a principal força de Esquerda; com o PAN a assumir o papel de partido ecologista, tal como já acontece por essa Europa fora; com o PS a ser o partido do centro; com o PSD a ser o partido da Direita salazarenta; e com CHEGA e/ou IL a se tornarem na voz da extrema-direita. PCP e CDS estão, a médio prazo, condenados à irrelevância política.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Geringonça – Um balanço



Não sou apologista da teoria do “quanto pior, melhor”.

E o pior, teriam sido mais quatro anos de mandato daquele que foi o pior Governo da História democrática portuguesa, da responsabilidade de Passos Coelho e de Paulo Portas.

Imaginem como seria, se esses dois ainda fossem Governo… com a continuação da austeridade criminosa, é provável que tivessem provocado o colapso social do país, com os níveis de pobreza, de morte por falta de assistência médica ou de criminalidade a dispararem; e na sequência disso, uma grave recessão económica, ao invés do crescimento anémico dos últimos anos.

Por isso mesmo, será sempre preferível uma “geringonça”, do que a Direita neoliberal extremista.


Deste ponto de vista, PS, BE e PCP cumpriram o seu dever perante o país e as pessoas, desalojando Passos e Portas do Governo e mandando-os a ambos para bem longe.


Mas será que, após anos de austeridade brutal (2009-15), o nível de exigência dos cidadãos e dos eleitores desceu tão baixo, ao ponto de bastar a um Governo fingir não tomar novas medidas de austeridade e reverter minimamente outras, para parecer ser de Esquerda?


Ou seria exigível serem desfeitos, de uma vez por todas, os males cometidos entre 2009 (ainda com Sócrates) e 2015, algo que só tem acontecido, muito timidamente e por vezes, somente de um ponto de vista cosmético?


Atendendo aos resultados das Eleições de 2015, a “geringonça” foi a solução possível, mas para a mesma ser chamada de Esquerda, seria preciso ir muito mais além do estético ou do remendo, sendo forçoso ir até ao estrutural, onde se teima nada fazer.


Uma reversão nas leis laborais, que o PS teima em não aceitar, seria essencial, não só para repor um mínimo de justiça nas relações laborais, como também para uma maior eqüidade na distribuição da riqueza gerada.

É que, como sabemos, quanto mais “flexíveis” forem as leis laborais, maior a precariedade laboral, pois facilitam-se os despedimentos, e mais baixos serão os salários, fazendo com que os benefícios do crescimento económico só cheguen aos patrões e não aos trabalhadores – que serão sempre os primeiros a sofrer as conseqüências de uma recessão.

Outras áreas que continuam a sofrer com o contínuo desinvestimento são a educação, a saúde – onde o PS teima com a continuidade das PPP’s – e os transportes, onde o presente envenenado dos passes sociais mais baratos não se traduziu numa maior oferta de transportes públicos, antes pelo contrário.

Já para não falar nas Parcerias Público Privadas nas auto-estradas e nas pontes, muitas delas herdadas do Governo de Sócrates, que causam prejuízos de milhares de milhões ao Estado, fruto de contratos lesivos e danosos para o erário público.

Sabemos das apertadas regras orçamentais impostas pelo Reich de Bruxelas e de Berlim, que limitam a capacidade de ação de qualquer Governo em Lisboa, sendo também forçoso lutar contra as mesmas, não só nas instituições próprias, como também nas ruas, contra o domínio da Europa por meia-dúzia de multinacionais e de bancos alemães.

Em jeito de balanço, a solução governativa denominada “geringonça” foi positiva, pecando por não ter ido suficientemente longe nas medidas que tomou, não só de reversão dos crimes cometidos pelos governos entre 2009 e 2015, como também no atingir de novas conquistas sociais e novos investimentos em áreas como a saúde, a educação, os transportes e a própria segurança social.

Não será com uma maioria absoluta do PS que esses objetivos serão atingidos, antes pelo contrário, poderão ser revertidos, assim que o pseudo-socialismo do Largo do Rato tenha condições políticas para tal.

Veremos qual será o veredito dos cidadãos, conscientes de que uma maioria absoluta do PS fará com que o mesmo deixe de precisar de BE e/ou de PCP para ser Governo, condição essencial para que a lógica da austeridade louca não tivesse continuado depois de 2015.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Tancos - Uma oportuna trapalhada



Desde o início, toda esta história de Tancos é confusa e muito mal contada, assumindo contornos muito obscuros desde que transpirou um suposto roubo de armas até ao facto das mesmas terem reaparecido (!!!), como por magia; já para não falar nas rivalidades entre as polícias que investigaram o caso, que não ajudou a um apuramento da verdade.

Ao fim de mais de dois anos, continuamos sem saber praticamente nada acerca da trapalhada de Tancos: Quem roubou? A mando de quem? Com que objetivos? Se os encarregados pela segurança dos paióis foram negligentes ou cúmplices? Quais as responsabilidades, tanto judiciais como políticas, que deverão ser atribuídas e a quem?

Independentemente do ónus que cada um terá, só por pueril inocência poderá ser considerada coincidência, este oportuno desenterrar da questão do roubo das armas, num momento em que muitos cidadãos ainda não decidiram em quem votar.

Sabendo que as sondagens lhe davam um resultado catastrófico, o principal partido da oposição faz uso da sua enorme capacidade mobilizadora, não só junto de certos poderes do Estado, que se queriam independentes, como também junto da comunicação social, no seio da qual goza dos favores, não só dos jornalistas, mas acima de tudo, dos seus comentadores de serviço, maioritariamente militantes assumidos do PSD.

Não tencionando secundarizar as responsabilidades políticas e até judiciais, que eventualmente terão alguns membros do atual Governo, mas simplesmente chamando a atenção que o momento em que chega este reerguer da questão de Tancos não é inocente, tendo como objetivo, não o apuramento da verdade ou punir os culpados, mas influenciar o voto dos cidadãos em favor do principal partido da oposição.

Não é por acaso que a campanha do PSD já se está a centrar quase exclusivamente na questão de Tancos, secundarizando a discussão, já por si muito pobre e demasiado demagógica, das propostas e soluções que cada força política diz ter para o país.

Não só fará descer o nível do debate eleitoral – por si só, já tão baixinho – como também irá recentrar a agenda da campanha, focando-a neste conveniente caso, para evitar a derrota épica a que parecia condenando.

Que se apure a verdade e que existam conseqüências, tanto judiciais como políticas, para os responsáveis; mas que jamais se use uma questão tão séria para deturpar o debate eleitoral, abandonando-se definitivamente ideias e propostas, só para agradar aos interesses do PSD.

Até ao dia das eleições, ficarão os cidadãos deste país condenados a ouvir, não as pretensas soluções que cada partido ou coligação tem para todos nós, mas antes se o Ministro da Defesa ou o Primeiro-Ministro se deveriam ou não demitir.

Impossível descer mais baixo no debate. Perdem os cidadãos. Perde a Democracia.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Histeria Adolescente


Apesar de nos dizer três ou quatro verdades de almanaque sobre as alterações climáticas, a menina Greta Thunberg destilou um ódio e uma raiva roçando a demagogia histérica, estando-se a fazer ao Prémio Nobel da Paz com um descaramento que poucos tiveram, o que não ajuda numa luta que deveria ser de toda a Humanidade.


É que ao invés de hoje estarmos a discutir o que todos deveríamos fazer para paliar uma evidência científica, antes temos o planeta a debater se são justificados, ou não, os gritos de uma adolescente histérica.

E mesmo depois das coisas que muito bem referiu, esqueceu-se a Greta, de focar no principal: não são só os políticos os responsáveis pelas emissões de CO2, mas todos nós, com o nosso modo de vida.

Ou estamos dispostos a mudar os nossos hábitos, ou não serão os políticos os únicos responsáveis no que toca a um qualquer previsível cataclismo.

Se lhe derem o Nobel da Paz à Greta, gostaria de saber se vai para Oslo de barco à vela, ou se se vai aquecer apenas com cobertores, quando receber o Prémio em Dezembro, no auge do rigoroso Inverno escandinavo…

É evidente que falta vontade política para encarar de frente o problema das alterações climáticas e nisso, a menina Greta tem razão.

Mas só haverá vontade política quando nós, cidadãos do mundo, tomarmos consciência que um carro, uma viagem de avião, ou outros mil confortos dos quais não abdicamos, terão que acabar ou ser muito reduzidos, sob pena do planeta não agüentar a predação de recursos.

Falam-se dos motores ecológicos, elétricos ou amigos do ambiente, mas esquecem do CO2 que foi necessário para os fabricar.

Claro que devem haver regras na emissão de CO2, que se devem aperfeiçoar e otimizar os gastos de energia e sem dúvida, os políticos têm um papel fulcral nisso, nomeadamente no combate aos todos poderosos lobbies económicos, que se estão a borrifar para a Terra, preferindo “otimizar os lucros”, como dizem os manuais de economia política.

É neste último aspecto que se condena Trump e a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris.

Desde que haja vontade política, existe um mundo de soluções alternativas às emissões de CO2; mas a mudança começa por nós próprios, pelos nossos hábitos e comportamentos, pelo nosso modo de vida.

Depois, sem dúvida que teremos legitimidade para cobrar dos políticos e acima de tudo, do poder económico, do qual os políticos não passam de meros fantoches.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

A AGONIA DO CACIQUE ILHÉU E AS LIÇÕES A TIRAR NO CONTINENTE

Existem locais onde a Democracia custa mais a chegar, não podendo ser considerado democrático um regime estabelecido numa comunidade relativamente fechada, onde o mesmo partido ganha eleições, desde há quarenta e tal anos.
Quando o caciquismo e o caudilhismo, aliados a uma pobreza mal escondida em estatísticas do PIB, e a uma muito desigual distribuição da riqueza, viciam todo e qualquer ato eleitoral; em que o sentido de obediência e o medo de represálias, de uns, e o ganhar a todo o custo, de outros, são mais decisivos na hora de votar, do que qualquer programa eleitoral, ideia ou proposta.
Nas eleições de ontem, ninguém se ficou a rir, pois nenhum partido ou coligação cumpriu os objetivos a que se propunha.
Uns perderam a maioria absoluta que detinham há mais de quarenta anos, num ato de coragem do povo madeirense que poderá custar caro a alguns, mas que semeou a real possibilidade de assistirmos, a médio prazo, a uma alternância de poder na Madeira, que levará, finalmente, a Democracia à ilha de Alberto João e seus seguidores.
Outros não conseguiram vencer as eleições, apesar da enorme subida de votação, algo que pode augurar uma votação histórica no PS, dentro de dias, à custa de todos os outros, pois os socialistas têm capacidade para ir buscar votos, não só ao centro e à direita, como também à sua esquerda.
Outros ainda viram a sua representação parlamentar desaparecer (BE) ou quase (CDU), ou reduzir-se a menos de metade (CDS), tendo todos perdido votos para um PS que encontrará na Madeira o alento e até o balanço para a almejada maioria absoluta, algo que, simultaneamente, será o auge político de Costa e o princípio do seu fim.
Tudo conseqüências da popularmente conhecida por “geringonça”, que não só correu com Portas e Passos Coelho, como também deu estabilidade política ao país, como ainda conseguiu conquistas sociais interessantes, embora insuficientes, nomeadamente por mérito dos seus parceiros de esquerda, BE e PCP.
Mas no fim, ganhará o PS.