segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Chega de Fascismo




“Chega”, terceira pessoa do singular no presente do indicativo do verbo “chegar”, no sentido de que basta, já é demasiado, não queremos mais; provavelmente, nem sequer deveria ter existido.

O ressurgimento de movimentos fascistas tornou-se numa triste realidade, irrefutável em toda a Europa, para infelicidade e desgraça de todos nós.

Negar ou desvalorizar esse reaparecimento torna-se num ato de cumplicidade, favorável a todos os que pretendem mergulhar o continente numa longa noite de trevas.

É imperioso lembrar que os movimentos fascistas atuais possuem todas as características do fascismo clássico dos anos trinta do século XX, apesar de muitos deles ainda não assumirem alguns desses traços.

Os partidos fascistas dizem ser anti-ideológicos, isto é, afirmam não ter ideologia, a fim de se colocarem a si próprios acima dos restantes partidos, nomeadamente dos marxistas e dos liberais; o que é totalmente falso, pois o fascismo tem uma ideologia.

Os fascistas defendem um estado forte e totalitário de partido único, suprimindo toda e qualquer oposição, não deixando espaço para a Democracia, que desprezam, ou para o parlamentarismo, que culpam por muitos dos males do mundo; preferindo antes um Duce ou um Führer com plenos poderes, sem nada que limite e controle a governação.

Lembrem-se disto, quando certos partidos fascistas proporem a redução do número de deputados ou soluções presidencialistas, pois mais não estão que a retirar poderes e importância ao parlamento, para os atribuir a um governo presidencialista forte.

O fascismo possui uma fortíssima componente nacionalista, intransigente na defesa da pureza e da suposta superioridade da raça e da cultura nacionais, não tolerando tudo o que é diferente. Sim, são racistas.

Os fascistas negam o conceito marxista da luta de classes, como se um patrão milionário vivesse no mesmo mundo e tivesse os mesmos interesses que um trabalhador humilde, substituindo-o pelo conceito do “interesse nacional”, sob a capa do qual defendem os interesses das elites, perpetuando-lhes o poder e vedando a mobilidade social à restante população.

Normalmente, são essas mesmas elites que favorecem a tomada do poder pela parte dos movimentos fascistas, nomeadamente quando os partidos da chamada democracia parlamentar, de ideologia liberal e burguesa, deixam de ter capacidade para lhes defender os interesses.

Isto é, para os empresários, patrões e capatazes, não interessa que o regime seja democrático ou não, desde que lhes defenda os privilégios; somente acenam com a superioridade moral da Democracia se isso lhes for conveniente e jamais por convicção ideológica ou escala de valores.

Pelo menos até agora, os movimentos fascistas não possuíam uma das componentes que mais os caracterizou, nos anos trinta do século XX: a posse de uma milícia armada, de inspiração paramilitar, que dominasse as ruas, espalhando a coação, o terror e violência em cima de todos os adversários do partido fascista, tal como fizeram as SS ou as SA (até 1934) na Alemanha nazi, ou os Camisas Negras na Itália de Mussolini.

Por isso mesmo, é com preocupação que assistimos à infiltração de movimentos fascistas nas forças militarizadas, possível embrião de uma espécie de tropa de choque, ao serviço da mais infame das causas.

Não é especulação nem alarmismo; é antes constatar que todos os movimentos acima descritos surgem quase sempre a partir do “zero”, evoluindo posteriormente para organizações ao serviço da ideologia fascista, que quando se tornam um perigo evidente, será sempre demasiado tarde para as travar.

Que a História não se repita, apesar da evidência de que neste século XXI, continuamos a repetir os mesmos erros de há oitenta anos atrás: um capitalismo selvagem que não olha a nada nem a ninguém, aliado à desvalorização geral dos sinais de perigo vindos da extrema-direita.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Golpe de Estado




Vivemos no hipócrita mundo dos eufemismos, em que todos sabemos o que aconteceu, mas ninguém se atreve a chamar as coisas pelos nomes, a fim de não reconhecer publicamente a sua cumplicidade, seja a mesma ativa ou silenciosa.

Sejamos honestos e diretos: se os chefes militares “sugerem” a renúncia de um Presidente em funções, estamos na presença, não de uma moção de censura ou processo de destituição, mas de um Golpe de Estado.

Após a “sugestão” dos generais, Morales iria sair a bem ou a mal, não nos desenganemos.

Ao demitir-se, evitou um banho de sangue e terá salvo a sua própria vida, provando ter sentido de Estado até ao fim.

Acontecesse isto noutras circunstâncias ou com outros presidentes, zelosas e democráticas vozes não se calariam, exigindo a “reposição da legalidade democrática e constitucional”, acenando com sanções políticas e económicas, podendo haver quem chegasse ao ponto de ameaçar com saraivadas de mísseis. Sabemos quem ele é.

Mas como é um Presidente de Esquerda que se vai, num dos principais países exportadores de gás, preferimos calar e assobiar para o lado, fingindo que não aconteceu.

O poder económico e os seus lobbies com influência comprovada na condução da política externa dos estados mais poderosos, tem perfeita consciência que estamos em 2019 e que bombardear La Moneda será sempre a última das soluções; porque sabem que lhes fica mal, que não é politicamente correto e que é feio os telejornais abrirem com isso.

O que não significa que os presidentes que governem fora dos tentáculos do polvo económico mundial não possam ser destituídos para interesse dessa mesma fera, de preferência sob o verniz da legalidade, tal como aconteceu com Fernando Lugo no Paraguai (2012) ou com Dilma Rousseff no Brasil (2016).

Somente caso essa legalidade cosmética não seja possível, se recorrem a outros meios, tal como já aconteceu com Zelaya nas Honduras (2009) e agora, com Morales (2019); comprovando que em último recurso, os militares continuam tendo a última palavra na resolução das crises políticas internas dos países da América Latina, sem que o chamado “mundo livre” se incomode com isso.

E não se incomoda, porque sabe que é dessa forma que os interesses das suas multinacionais ficarão assegurados, em prejuízo das populações autóctones, num exercício de hipocrisia primária.

Os acontecimentos na Bolívia comprovam que, devido à riqueza em matérias-primas e em recursos naturais, transformada em maldição, as multinacionais ocidentais continuam a interferir na política doméstica dos países latino-americanos, recorrendo a todos os meios para fazer valer os seus interesses.

E se não lhes for possível fazer legalmente, fazem-no de qualquer das formas, descaradamente ou às escuras.

Fica a restar a Venezuela, que apesar de não ser um exemplo de Democracia, fica agora isolada politicamente no ambiente sul-americano, debilidade que a tornará no próximo alvo.

A Direita pula e avança, numa América Latina que se quer de povos e para os povos, para que se cumpra.

Vale tudo, irá valer tudo.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Perigosa Indefinição



É comum pensar-se que as são as eleições que clarificam a situação política de um país, pois expressam a verdadeira vontade do eleitorado no sentido da futura governação.

A excepção foram as eleições de ontem, que em vez de clarificarem, só lançaram ainda mais confusão sobre a situação política espanhola, além de confirmarem o crescimento do monstro fascista.

Esse crescimento poderá ser ainda mais alimentado pela indefinição a que a Espanha ficou ainda mais sujeita, não sendo possível identificar nenhuma outra solução de Governo, que não seja o de uma coligação PSOE-PP, partidos com mais semelhanças que diferenças.

Todas as outras possibilidades implicariam um entendimento entre vários partidos demasiado diferentes entre si, em coligações muito heterogéneas para sequer, ser possível pensar na sua viabilidade.

O PSOE tem uma vitória amarga, pois perde votos e deputados, não tendo Pedro Sánchez nenhuma solução de Governo que lhe agrade, nem sequer uma “geringonça” em versão espanhola, por insuficiência de votos dos possíveis parceiros. Diz-nos a experiência que, em política, as meias vitórias facilmente se transformam em derrotas definitivas.

Apesar de ter tido uma subida de votos e de mandatos em relação a Abril, é incontornável que o PP de Casado perde as eleições, mais uma vez; não cumprindo os objetivos a que se propôs, está condenado ao dilema de, ou se tornar na “muleta” de um futuro Governo do PSOE, sofrendo as conseqüências políticas do mesmo, ou de ficar com o ónus de lançar o país num caos político e institucional, de possíveis implicações dramáticas para a Espanha.

O Podemos e o Ciudadanos foram castigados, não só devido ao ego mesquinho dos seus respectivos líderes, como acima de tudo, por se terem rendido ao sistema que em tempos, diziam combater. Em suma, a longo prazo, ambos foram projetos que nada trouxeram de novo à política espanhola ou europeia, não passando de “mais uns”, iguais aos que já lá estavam.

Com projetos ocos e sem soluções que fossem ao encontro dos verdadeiros problemas da sociedade espanhola, tais como o desemprego, a precariedade laboral e a desigualdade de oportunidades e de distribuição da riqueza, os partidos tradicionais possibilitaram o enorme crescimento do Vox, partido de inspiração fascista e franquista, fomentador do ódio, da intolerância e do racismo, que só será frenado com uma verdadeira mudança política e económica, não ao nível da Espanha, mas ao nível europeu, pois o fenómeno do ressurgimento do fascismo é sentido em toda a Europa.

Não esquecer que estes partidos fascistas têm em todos os excluídos e prejudicados pelas políticas neoliberais o seu filão de votantes, sem que a Esquerda europeia tenha vontade política de colocar em causa esse mesmo neoliberalismo económico.

E enquanto isso não acontecer, nuvens muito negras se perfilam no horizonte, tanto espanhol como europeu, sendo real a possibilidade de uma longa e dolorosa noite fascista.