“Chega”, terceira pessoa do
singular no presente do indicativo do verbo “chegar”, no sentido de que basta,
já é demasiado, não queremos mais; provavelmente, nem sequer deveria ter
existido.
O ressurgimento de movimentos
fascistas tornou-se numa triste realidade, irrefutável em toda a Europa, para
infelicidade e desgraça de todos nós.
Negar ou desvalorizar esse
reaparecimento torna-se num ato de cumplicidade, favorável a todos os que
pretendem mergulhar o continente numa longa noite de trevas.
É imperioso lembrar que os
movimentos fascistas atuais possuem todas as características do fascismo
clássico dos anos trinta do século XX, apesar de muitos deles ainda não assumirem
alguns desses traços.
Os partidos fascistas dizem ser
anti-ideológicos, isto é, afirmam não ter ideologia, a fim de se colocarem a si
próprios acima dos restantes partidos, nomeadamente dos marxistas e dos
liberais; o que é totalmente falso, pois o fascismo tem uma ideologia.
Os fascistas defendem um estado
forte e totalitário de partido único, suprimindo toda e qualquer oposição, não
deixando espaço para a Democracia, que desprezam, ou para o parlamentarismo,
que culpam por muitos dos males do mundo; preferindo antes um Duce ou um Führer
com plenos poderes, sem nada que limite e controle a governação.
Lembrem-se disto, quando certos
partidos fascistas proporem a redução do número de deputados ou soluções
presidencialistas, pois mais não estão que a retirar poderes e importância ao
parlamento, para os atribuir a um governo presidencialista forte.
O fascismo possui uma fortíssima
componente nacionalista, intransigente na defesa da pureza e da suposta superioridade
da raça e da cultura nacionais, não tolerando tudo o que é diferente. Sim, são
racistas.
Os fascistas negam o conceito
marxista da luta de classes, como se um patrão milionário vivesse no mesmo
mundo e tivesse os mesmos interesses que um trabalhador humilde, substituindo-o
pelo conceito do “interesse nacional”, sob a capa do qual defendem os
interesses das elites, perpetuando-lhes o poder e vedando a mobilidade social à
restante população.
Normalmente, são essas mesmas
elites que favorecem a tomada do poder pela parte dos movimentos fascistas,
nomeadamente quando os partidos da chamada democracia parlamentar, de ideologia
liberal e burguesa, deixam de ter capacidade para lhes defender os interesses.
Isto é, para os empresários,
patrões e capatazes, não interessa que o regime seja democrático ou não, desde
que lhes defenda os privilégios; somente acenam com a superioridade moral da
Democracia se isso lhes for conveniente e jamais por convicção ideológica ou
escala de valores.
Pelo menos até agora, os
movimentos fascistas não possuíam uma das componentes que mais os caracterizou,
nos anos trinta do século XX: a posse de uma milícia armada, de inspiração
paramilitar, que dominasse as ruas, espalhando a coação, o terror e violência
em cima de todos os adversários do partido fascista, tal como fizeram as SS ou
as SA (até 1934) na Alemanha nazi, ou os Camisas Negras na Itália de Mussolini.
Por isso mesmo, é com preocupação
que assistimos à infiltração de movimentos fascistas nas forças militarizadas,
possível embrião de uma espécie de tropa de choque, ao serviço da mais infame das
causas.
Não é especulação nem alarmismo;
é antes constatar que todos os movimentos acima descritos surgem quase sempre a
partir do “zero”, evoluindo posteriormente para organizações ao serviço da
ideologia fascista, que quando se tornam um perigo evidente, será sempre
demasiado tarde para as travar.
Que a História não se repita,
apesar da evidência de que neste século XXI, continuamos a repetir os mesmos
erros de há oitenta anos atrás: um capitalismo selvagem que não olha a nada nem
a ninguém, aliado à desvalorização geral dos sinais de perigo vindos da
extrema-direita.