terça-feira, 24 de maio de 2005

Défice / Sacrifícios

A recente divulgação de que o défice em 2005 poderá atingir os 6,83% do P.I.B. merece uma séria reflexão acerca das políticas aplicadas em Portugal para resolver o problema, assim como acerca das consequências da aplicação dessas políticas.
Em 1998 foi assinado por todos os países que aderiram à terceira fase da União Económica e Monetária um pacto que foi chamado de “Estabilidade e Crescimento”, que impunha rígidas regras aos Estados que em breve iriam aderir a uma moeda única, o Euro.
Uma dessas regras tinha que ver com o défice anual de cada Estado-Membro, que não poderia ultrapassar 3% do Produto Interno Bruto, sob pena de pesadas sanções económicas.
Portugal, logo em 2001, foi o primeiro Estado-Membro a violar esta regra, tendo o défice ultrapassado os 3%.
Guterres partiu da maneira que todos sabem e na sequência das Eleições Legislativas de 2002 foi nomeado um Governo constituído pelo PSD e pelo CDS/PP, presidido pelo actual Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.
Numa das suas primeiras intervenções na Assembleia da República, Durão Barroso frisou que o país estava “de tanga” em termos orçamentais e que seria necessária uma política de grande austeridade para tirar o país da grave crise em que alegadamente se encontrava. Logo em 2002 se pediram sacrifícios aos portugueses, tendo sido tomadas medidas que afectaram seriamente as condições de vida das classes mais desfavorecidas: contenção salarial, aumento do custo de vida, aumento dos impostos, redução drástica do investimento público, venda ao desbarato de património público, privatizações, entre outras. Tudo, obviamente, em nome do défice, que depressa se transformou na obsessão da então Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite.
Depressa toda política económica do país começou a girar em torno do défice. Sabiamente, alguém lembrou que existia vida para além do défice, tendo o Governo de então feito tábua rasa disso.
Para quem não se recorda, e nestas coisas é fácil esquecer, os governantes de então, ao imporem estas medidas, garantiram que a médio prazo a questão do défice seria ultrapassada e que depois dos sacrifícios viria a abundância, que a economia iria crescer a um ritmo forte e que todos beneficiaríamos com isso. Isto é, depois do Inferno, eram as portas do Paraíso que se abririam...
Após três anos, basta-nos olhar à nossa volta para verificarmos as consequências desastrosas dessas políticas: o desinvestimento público e a contenção salarial, por exemplo, lançaram o país para uma recessão técnica desde 2003, da qual, ao que tudo indica, ainda não existem sinais de recuperação. Temos uma riqueza cada vez pior distribuída, a desigualdade entre quem mais tem e quem menos tem é cada vez maior. São estas as consequências económicas e sociais da austeridade.
E em relação às contas públicas? Será que a austeridade orçamental e os sacrifícios impostos a alguns (nem todos) portugueses teve como consequência a resolução do problema do défice? Pelos vistos, de acordo com os números apresentados, a resposta é negativa: não só não resolveu a questão do défice como ainda a agravou para números assustadores.
Posto isto, só poderemos concluir que a não é a impor austeridade que se irão resolver os problemas do país. Nunca esquecer que o pacote de medidas levado a cabo a partir de 2002, ao contrário de ter trazido a abundância e o crescimento, só está a levar o país ainda mais para o abismo, tanto a nível económico como a nível orçamental e que é urgente apresentar outro tipo de medidas e de políticas de resolução dos problemas que não passem pela austeridade e pelo popularmente conhecido como “apertar do cinto”, que na prática, só irão empobrecer ainda mais quem menos tem e enriquecer ainda mais quem não é afectado por crises económicas.
É preciso afirmar abertamente que mais austeridade e mais contenção só irão trazer mais miséria e mais sofrimento ao cidadão comum, como têm trazido até agora, ao contrário da prometida e sempre adiada prosperidade.
É urgente que os portugueses tomem consciência disto mesmo e que não se deixem enganar como no passado recente.
É igualmente urgente que se tomem medidas de promoção do investimento, do emprego com direitos e do combate à fraude e à evasão fiscal, escandalosamente efectuada por quem mais tem. Só assim resolveremos o problema do défice e só assim caminharemos para uma mais justa distribuição da riqueza, acompanhada da tão desejada e merecida prosperidade económica de todos. Caso o Governo socialista liderado por José Sócrates anuncie medidas de contenção e de austeridade, estará a cometer os mesmos erros cometidos pelos governos PSD-CDS/PP, fazendo com que nada os distinga, sendo de lembrar que no passado dia 20 de Fevereiro os portugueses votaram para que algo mudasse, não para ficar tudo na mesma...