sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Sim!

Mais uma vez, os portugueses irão ter a oportunidade de alterar uma das mais injustas e retrógradas leis do seu ordenamento jurídico.
Em toda a Europa Comunitária, Ocidental e dita civilizada, somos, a par com a República da Irlanda, o único país que insiste em punir, judicial e socialmente, uma mulher que opte por recorrer à Interrupção Voluntária da Gravidez.
Já que o Órgão de Soberania com poderes para alterar a actual lei – a Assembleia da República – optou por não aprovar a despenalização sem a realização de um referendo, como cidadãos, temos a mais elementar obrigação de contribuir para a mudança da lei, de forma a dar à mulher o direito a optar ou não pela maternidade. É algo que só ela tem o direito e o dever de decidir, sem que a sociedade a puna por algo que só a ela diz respeito.
Não se trata de se ser a favor ou contra o aborto. Não é isso que está em questão, como os defensores do “não” querem erradamente dar a entender. Trata-se sim de dar o direito e a responsabilidade de escolha às mulheres, sem que isso implique uma pena de prisão, uma exclusão social ou consequências irreversíveis para a sua saúde e até a sua morte.
Quem é contra a Interrupção Voluntária da Gravidez tem toda a legitimidade de o ser. Não tem é o direito de querer impor a toda uma sociedade a sua maneira de pensar. Isto sim, é intolerância. Por isso é que devemos dar à mulher o direito de optar, de escolher com responsabilidade o que é melhor para ela. Quem é contra o aborto, não o pratique, mas também não imponha aos outros a sua opinião. É uma questão da mais elementar tolerância e da mais elementar democracia.
Não é por a Interrupção Voluntária da Gravidez ser considerada crime ou não que as mulheres irão recorrer a ela menos ou mais vezes. Mas é devido à mesma ser punida por lei e consequentemente feita clandestinamente, por vezes sem o mínimo de condições de higiene e segurança, que as mulheres que a ela recorrem estão expostas a inúmeros riscos e consequências.
Ora se as mulheres continuam a fazê-lo, mesmo sendo ilegal, não será melhor poderem-no fazer com todas as garantias de higiene e segurança?
O que dizem os “defensores da vida” em relação a isso? Consideram que a mulher deva continuar a ser considerada criminosa, alguns deles defendendo abertamente a sua penalização judicial.
Os “defensores da vida”, nomeadamente os membros de um clero medieval, usam todo o tipo de argumentações, muitas delas falsas e demagógicas, repleta de injúrias e até de ameaças aos próprios fiéis, para defenderem de uma maneira fanática e intolerante a sua posição. Só mostram que não têm razão, tendo a sociedade de estar atenta às suas demagogias, chantagens e hábeis mentiras. Infelizmente, nem todos o estarão, muito contribuindo para isso alguma Comunicação Social, nomeadamente aquela que já assumiu estar ao lado do “não” neste referendo. Como é possível que essa mesma Comunicação Social seja imparcial e rigorosa ao abordar o tema do aborto?
Inclusivamente, a interrupção voluntária da gravidez já foi comparada à pena de morte e até foi lembrada a recente execução do ex-ditador Saddam Hussein. É também invocado um “Mandamento da lei de Deus” que nos diz “não matarás”.
Lembremos o quanto este Mandamento tem sido ignorado ao longo da História, nomeadamente, durante o período da “Santa Inquisição”. Esquecem-se também que a actual lei também condena à morte as mulheres e de duas formas: a uma morte física motivada pelas precárias condições de higiene e segurança em que praticam o aborto e a uma espécie de morte social e moral, consequência da vergonha que é ter de responder em Tribunal pela prática de algo que não pode ser considerado crime.
Ao que parece, a morte das mulheres, nas suas diversas formas, não é importante. Será assim que se defende “a vida”? Será mantendo a actual lei que se cumpre o Mandamento “não matarás”? Claro que não.
Até o próprio Papa já veio a público comparar aborto com terrorismo. Será que ao fazer essas afirmações se estava a lembrar do país que fez questão em não visitar em 2007? Será que o Cardeal Ratzinger se esquece que uma das mais terríveis e subtis formas de terrorismo é precisamente o querer usar a fé religiosa para influenciar a opinião pública levando-a a assumir posições extremistas e intolerantes?
Por outro lado, nenhuma religião, seja ela qual for, tem legitimidade ou moralidade para aspirar submeter as leis do Estado às suas opiniões, numa clara e ilegítima interferência na vida política e no processo legislativo de um país que é laico desde 1911, para grande indignação da Igreja Católica na altura. Mais uma vez, terei de lembrar que quem é contra o aborto por motivos religiosos ou morais tem a escolha de não o praticar, o que não tem é o direito de querer impor as suas opiniões religiosas nem a sua Religião a toda uma sociedade. É do mais elementar bom-senso.
Existem eminentes “defensores da vida” e da “família” que ocuparam cargos de responsabilidade governativa num passado bem recente. Todos nos lembramos das leis que fizeram e das opiniões que emitiram na altura, nas mais diversas áreas. Ao defenderem o voto no “não”, entram em contradição chocante com os seus desígnios ultra liberais do fim do Estado Providência, do ataque aos direitos adquiridos pelos mais fracos ao longo de anos de lutas. Não se trata de misturar questões, trata-se de coerência entre o que se diz e o que se faz, ou falta dela.
A actual lei prevê a possibilidade de aborto em casos de má formação do feto, de risco de vida para a grávida e de violação. Manda a coerência que, quem defende assim tanto a “vida humana” assuma ser contra a actual lei, que assuma ser contra toda e qualquer prática de aborto. Devo lembrar que quem quer manter a actual lei, foi contra a sua aprovação em 1984, pela Assembleia da República. Exactamente as mesmas pessoas e as mesmas Instituições.
Será que mudaram de opinião? Não me parece. Que assumam a sua ideia baseada num fundamentalismo religioso, arcaico e hipócrita de que o sexo somente deve ser praticado para fins de reprodução.
Não se atreverão a tal, mas seria a única forma de mostrarem alguma coerência. Não esquecer que os mesmos que agora instigam ao voto no “não” são os mesmos que boicotaram as aulas de educação sexual nas escolas e são os mesmos que condenam o uso de todo e qualquer contraceptivo, inclusivamente condenam o uso do preservativo em locais onde o contágio pelo HIV-Sida atinge proporções dramáticas. É assim que se defende a vida humana? Não me parece.
Digamos sim à despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, digamos sim à maternidade com qualidade, digamos sim à tolerância, digamos sim à liberdade religiosa, digamos sim à liberdade de escolha, digamos sim à vida, com coerência.

sábado, 6 de janeiro de 2007

Iraque – A Confirmação de um desastre‎

Pouco tempo após os atentados de 11 de Setembro de 2001 e em claro aproveitamento político dos mesmos, o Presidente dos Estados Unidos da América, George W.Bush, vem a terreiro falar da necessidade de invasão do Iraque, alegando que o seu regime estava envolvido com a organização terrorista Al-Qaeda, algo cujo contrário já há muito se verificou.
O seu amigo Tony Blair depressa o veio apoiar nessa intenção, de um modo, ao que parece, praticamente incondicional, tal como o então Presidente do Governo espanhol, José Maria Aznar e o então Primeiro-Ministro de Portugal, Durão Barroso, sendo este último protagonista devido ao único facto de ser o anfitrião da cimeira que confirmou a decisão de Bush de fazer a guerra, realizada em território português, na base das Lajes, nos Açores.
Como é evidente, a opinião pública mundial dividiu-se em relação às consequências, boas ou más, que iriam advir com a guerra no Iraque e com o derrube do ditador Saddam Hussein.
O desenrolar dos acontecimentos veio provar que as consequências foram nefastas, tanto para o povo iraquiano como para a segurança e bem-estar do ocidente, tudo levando a crer que as consequências verificadas ainda serem só a “ponta do iceberg”.
Os defensores da guerra garantiram que a mesma duraria poucas semanas, que a vitória seria total e rápida. Sabemos pela História que todas as guerras travadas ao longo dos tempos são previstas para “durar semanas” por quem as inicia, arrastando-se o conflito depois durante anos e anos sem solução à vista. Mais uma vez, infelizmente, a lição dada pela História foi ignorada e esta repetiu-se, sendo que após quase quatro anos de invasão a guerra no Iraque não tem fim nem solução à vista, parecendo que o acumular de erros está a fazer com que essa solução se torne cada vez mais distante.
Numa guerra, não é o vencedor que determina o final dos combates e a respectiva vitória, como George W.Bush se apressou a fazê-lo poucas semanas depois do início das hostilidades, “para imprensa ver”, mas sim o vencido com o seu reconhecimento de derrota e respectiva sujeição que fixa o momento do fim do conflito. Com a estrutura do estado iraquiano por e simplesmente desmantelada, chegámos à situação de que nem sequer houve vencido para reconhecer a derrota.
Em vez disso, temos um sem número de facções políticas, étnicas e religiosas que continuam a realizar uma guerra de guerrilha de baixa e média intensidade, não poucos desses grupos sendo radicais, que ao que tudo indica estão longe de ser neutralizados, bem pelo contrário, devido ao apoio que gozam de parte da população na sua luta contra um invasor estrangeiro.
Quem defendeu a invasão do Iraque invocou dois tipos de “nobres” motivos para o fazer: em primeiro lugar, a alegada posse de Armas de Destruição Massiva por parte do regime liderado por Saddam Hussein; em segundo lugar, para se derrubar o tirano e para se estabelecer um regime democrático no Iraque que servisse de exemplo para todo o Médio Oriente, entenda-se, para todo o mundo árabe…
O primeiro motivo foi um total e completo embuste. Antes da invasão, o Iraque foi visitado, ao longo de mais de uma década, por inúmeras inspecções das Nações Unidas que não encontraram o mínimo vestígio da existência de Armas de Destruição Massiva. As próprias Nações Unidas reconheceram este facto ainda antes da invasão. Depois da mesma, até os Estados Unidos e a Grã-Bretanha já vieram a público, depois de muito “procurarem”, reconhecer que não existiam quaisquer tipo de armas químicas, biológicas ou nucleares no Iraque de Saddam Hussein em 2003.
A suposta existência de Armas de Destruição Massiva no Iraque introduziu na política externa americana o perigoso conceito de “guerra preventiva”, que basicamente nos diz que antes que o adversário ataque, há que atacá-lo. É um conceito extremamente perigoso e perverso em termos de relações internacionais, pois possibilita todo o tipo de intervenções e de invasões arbitrárias em estados soberanos, sempre que o “imperador” em Washington o entenda fazer.
Não admira agora que países como o Irão e a Coreia do Norte queiram armas nucleares, pois são o único meio de evitar que lhes aconteça o que aconteceu ao Iraque: uma intervenção militar arbitrária da parte dos Estados Unidos e dos seus lacaios.
Outro motivo da invasão foi o alegado estabelecimento, após esta, da democracia no Iraque e por consequência, em todo o Médio oriente. Quase quatro anos depois, verificamos que em vez de democracia, temos no Iraque uma guerra civil étnica, sem solução à vista, que poderá levar, em última análise, ao desmembramento e divisão do estado iraquiano entre sunitas, chiitas e curdos.
É de lembrar que uma verdadeira democracia não pode ser imposta através de uma invasão estrangeira, mas sim pelos próprios povos interessados, que terão de ser os primeiros a tomar a iniciativa de lhe estabelecer e aceitar as regras. Uma democracia imposta do exterior está assim condenada ao fracasso, em qualquer lugar e circunstância.
Claro que existem motivos não confessados para a invasão de 2003. Um deles foi o domínio estratégico da região do Médio Oriente por parte dos Estados Unidos. Controlando o Iraque e o Afeganistão, seria uma questão de tempo para que o regime do Irão também cedesse ao domínio americano. O que se está a verificar é precisamente o contrário: não só o Irão aumentou a sua influência política e militar na região, e até no próprio Iraque, com o desaparecimento político de Saddam Hussein, como também a credibilidade e influência ocidentais ficaram séria e irreversivelmente afectadas.
Não esquecer que Saddam Hussein era uma espécie de “mal necessário” na garantia do equilíbrio de forças na região. Com o seu desaparecimento, o predomínio tende para o Irão dos Ayatollah e para a organização terrorista Al-Qaeda, que aproveitou a invasão de um povo árabe por um país ocidental e consequente vazio de poder, para aumentar a sua influência entre os iraquianos descontentes e revoltados pelo domínio e humilhação estrangeira.
Tudo isto é manifestamente contrário ao interesse dos Estados Unidos, que com a provocação da queda do regime iraquiano, acabaram por sair mais fracos, tanto a nível externo, como se verificou, como a nível interno, com a cada vez maior contestação à guerra no Iraque traduzida pela derrota republicana nas eleições para o Congresso em Novembro último, com a consequentemente anunciada “mudança de estratégia” para resolver a questão, ao que parece com um aumento de efectivos militares na zona de conflito e com a substituição das chefias militares no terreno.
Conclusão: mais do mesmo, numa tentativa de corrigir o incorrigível da pior maneira possível, isto é, continuando a apostar na solução militar.
Inclusivamente alegou-se que a invasão traria mais segurança ao ocidente após os atentados de 11 de Setembro. Tudo leva a crer que, mais uma vez, o efeito foi o contrário do supostamente desejado: a insegurança e o medo de atentados são maiores do que nunca, como o comprovam os atentados em Madrid a 11 de Março de 2004, com a consequente derrota eleitoral do PP, partido apoiante da intervenção espanhola na guerra do Iraque, e de 7 de Julho de 2005 em Londres. Blair já anunciou a sua retirada de primeiro-ministro para 2007, não antes de anunciar uma redução do contingente militar britânico…
Outro motivo não confessado da invasão foi os interesses económicos das multinacionais americanas, nomeadamente em relação à reconstrução do Iraque após a guerra e, claro está, à exploração de petróleo. Parece que estas empresas são as únicas a beneficiar com tudo isto, como sempre. Para desgraça da humanidade, do bom senso e dos povos.
Creio que posto tudo isto, uma resolução para a questão do Iraque não poderá passar por uma solução militar, impossível de concretizar contra as diversas guerrilhas que actuam no país.
Reconheçamos que o mal está feito, que a “caixa de Pandora” foi aberta, não existindo, neste momento, modo de inverter e anular as consequências de uma invasão que se farão sentir cada vez mais a todos os níveis, seguramente durante os próximos anos, sendo que o pior ainda está para vir…