quarta-feira, 1 de novembro de 2006

O Rotativismo Republicano

Nos tempos da Monarquia Constitucional, no século XIX, dois partidos se alternavam no poder, sem que por isso se notassem diferenças na governação do país. Dito por outras palavras, quer governasse o partido Regenerador, supostamente mais à “direita”, defensor da Carta Constitucional de 1826, quer governasse o partido Histórico (mais tarde Progressista), suposto defensor das tradições da Revolução Liberal de 1820 e do espírito da Constituição de 1822, o modo de governação, o estilo, as medidas do governo e até, a partir de certa altura, os próprios programas de Governo eram em tudo semelhantes, sendo indiferente, aos olhos do cidadão comum, se governasse um ou governasse outro.
A grande particularidade deste “regime à portuguesa” era que os governos eram nomeados pelo Rei antes de se fazerem as eleições, saindo forçosamente vencedor das mesmas o partido que tinha sido nomeado para a governação, sendo célebre um epigrama do poeta João de Deus acerca do assunto.
Só devo lembrar que através de uma reforma do Sistema Eleitoral, em 1870, foram introduzidos círculos uninominais, o que veio agravar ainda mais o caciquismo e a mesquinhes tão típicas do regime. Esta época é designada pelos historiadores com “rotativismo monárquico”.
O resto desta pequena “história” já todos deveriam saber: ambos os partidos se esgotaram politicamente devido à sua semelhança, chegando-se à conclusão de que o problema não residia nos partidos nem nos governos, mas sim no próprio regime em si, começando, por consequência, a própria Monarquia Constitucional a ser posta em causa desde o final da década de 1870, tendo-se a mesma finalmente finado no dia 5 de Outubro de 1910.
O Portugal deste início de século XXI apresenta terríveis semelhanças com essa fase da História portuguesa, senão vejamos: dois partidos que se alternam no poder, um supostamente mais à esquerda, outro ligeiramente mais à direita, em tudo semelhantes no que toca a conteúdos programáticos e até ideológicos, em tudo iguais no que toda ao estilo e modo de governação.
PS e PSD são em tudo iguais, há que afirmá-lo com a frontalidade sincera de quem humildemente acompanha as “coisas da política” por fora, com governos iguais e com políticas iguais.
Ambos os partidos descredibilizam o regime político saído da Constituição de 1976, sendo a governação de cada um uma mera continuação da governação do anterior, uma espécie de “mais do mesmo”, que leva a descredibilidade da política e dos políticos a níveis nunca vistos, tendo já o eleitorado percebido que é completamente indiferente ter lá um ou outro a governar, que a “fórmula” de governo será sempre a mesma: obsessão pelo défice, contenção de despesas, sacrifícios para os do costume, privatizações, flexibilização das leis laborais, desinvestimento em sectores como a saúde ou a educação, com os resultados desastrosos que cada vez mais se verificam, “reformas” da Segurança Social, que só servem para destruir o sistema de protecção social que deveria ser obrigação do Estado garantir, etc…
Alternam-se os governos mas não se alternam as políticas. Isto sim é um verdadeiro défice democrático, em que por mais que se mude de governo, o “fio condutor” das políticas é sempre o mesmo.
Tudo isto já aconteceu, no século XIX, com a decadência da Monarquia Constitucional, não sendo assim de admirar que actualmente exista quem já ponha o regime em causa, não sendo de pasmar que o eleitorado já se tenha virado para um “D.Sebastião” caído de Boliqueime aos trambolhões.
O problema não é o regime constitucional, mas sim as pessoas que o compõem, que serão as mesmas que irão compor qualquer outro regime constitucional que possa ocorrer em Portugal, regime esse que pode ser ainda pior do que o actual, devido a uma tendência e “tentação” pelo autoritarismo que se verifica sempre que um regime democrático não está a funcionar bem…
Claro que o eleitorado também é culpado, pois dá votos a quem os não merece e se conforma facilmente com as políticas dos sucessivos governos, com uma atitude de quase total passividade perante medidas que prejudicam directamente a qualidade de vida dos cidadãos. Ainda há uns anos, Durão Barroso, enquanto Primeiro-Ministro, se congratulava com o facto dos portugueses serem o povo que melhor aceitou as ditas “reformas estruturais”. É precisamente aqui que reside o mal, é aqui que está o problema: as pessoas aceitam, conformam-se, lamentam-se, dizem mal mas nada fazem, esperando pela vinda do D. Sebastião, quem quer que ele seja…
Já só falta a introdução dos ditos Círculos Uninominais para a podridão ser completa, pois entre outros inúmeros males que daí advirão, teremos uma Assembleia da República cheia de caciques locais e/ou dos seus representantes, que comprovadamente já proliferam por muitos locais deste país. Como deputados da nação, em vez de defenderem o suposto interesse comum de todos os portugueses irão defender assumidamente os interesses mesquinhos e provincianos das pessoas mais influentes da “aldeia” pela qual são eleitos. E pior do que tudo: serão considerados “heróis” pelas pessoas do meio fechado onde se fizeram eleger! Sem enumerar nome concretos, existem exemplos gritantes, nomeadamente a nível autárquico, do que acabei de afirmar. Inclusivamente, não há muitos anos, chegou a ser aprovado um Orçamento de Estado com o voto a favor de um deputado/autarca devido às benesses que o mesmo continha para o seu Concelho, em óbvio detrimento dos interesses do país. Quem não se lembrar desta história, é porque come demasiado queijo.
Outra consequência mortal para a democracia será vermos uma Assembleia da República composta somente por deputados do PS e do PSD, precisamente as forças políticas que já comprovaram a sua semelhança em quase todos os aspectos, acabando com a pluralidade de representação e de ideias naquela que é suposta ser a casa da democracia.
Não quero um país assim. Não é este o desejável espírito republicano, democrático e plural que se pretende como meio para a prosperidade e bem-estar comuns, fim último da existência do Estado.
Devo lembrar, para terminar, que a História, por vezes, se repete, pois que chegará a um ponto em que não dará mais para aguentar, principalmente da parte de quem mais sofre as consequências de tudo isto: o cidadão comum.
Também é de recordar que os problemas do país não se devem nem ao regime, nem à Constituição, nem às leis que temos, mas sim à falta de capacidade ou de vontade das mesmas serem aplicadas no seu pleno.
Não quero assim preconizar um fim de regime, como aconteceu com a Monarquia Constitucional, quero simplesmente advertir que essa possibilidade é real se as coisas continuarem como estão, com consequências que serão seguramente imprevisíveis e indesejáveis por todos nós.
Que todos pensemos nisto e façamos alguma coisa, antes que seja tarde de mais.
Fica aqui o aviso.